1 - Decodificar

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"Mas meus pensamentos você não pode decodificar"


Olhei distraída para as gotas de chuva que batiam no vidro e escorriam pela janela. Suspirei, entediada. Voltei a cabeça e olhei novamente para o relógio em cima da lousa. Só haviam se passado dois minutos desde a última vez que olhei.

O professor de Geografia falava qualquer coisa sobre o capitalismo na Guerra Fria. Eu havia deixado de prestar atenção nos primeiros cinco minutos - provavelmente, eu não era a única, então, não me importune. Vi com o canto do olho quando o Oliver passou um bilhete da carteira de trás. Peguei o papel rapidamente. Em sua letra de forma caprichadinha usual estava escrito: "QUANDO ESSA MÚMIA VAI PARAR DE FALAR??? ESTOU QUASE DORMINDO!!". Eu ri silenciosamente. Bem, pelo menos, para mim, foi silenciosamente já que eu mesma não consegui ouvir. Mas aparentemente o professor Gregório escutou porque ele virou diretamente para nós e mandou:

- Victória, talvez você e o sr. Oliver queiram compartilhar conosco o que é tão engraçado. Também gostamos de rir, afinal.

Encarei-o seriamente. Na verdade, eu duvidava que ele gostasse de rir. Fiquei tentada a responder que o motivo era que estávamos tirando uma onda com a cara dele, mas me controlei. Não sei qual é a obsessão dos professores em querer perguntar o motivo da graça. Ao invés disso, respondi, sutilmente:

- Desculpe, professor. Não vai voltar a acontecer.

Ouvi o Oliver suspirar resignado, enquanto o professor se voltava para a turma e voltava a falar sobre a Guerra Fria, como se não houvesse ocorrido interrupção.

Suportei o mais bravamente possível os últimos vinte minutos daquela tortura. Tentei manter a razão, sempre canalizando minhas energias no fato de ser sexta-feira.

Quando o sinal tocou, pude sentir o alívio de toda a classe em poder começar o fim-de-semana, enquanto saiam da escola animadamente.

- O que você vai fazer no final de semana? - O Oliver me perguntou enquanto saíamos.

- Ah, o que você acha? O mesmo de sempre.

- Ficar em casa... - ele completou, frustrado - Vicky, você precisa se divertir mais, sabia?

- Ok... Tenho certeza que vou me divertir muito... - ele me olhou ceticamente. Completei: - Bom, pelo menos, tenho certeza que vou dormir pra caramba.

Olhei decepcionada para o sol que estava lá fora, agora que a chuva parara. Esta era a hora em que eu mais sentia inveja das pessoas normais. Da grande maioria dos alunos que estavam indo para casa e já davam fim às aulas do dia.

Mas eu não! Ah, não... Eu saio da escola meio-dia e vinte e vou para outra escola, onde tenho que estar uma hora da tarde. Então, não se surpreenda se você vir uma garota em corrida desabalada pela cidade de São Paulo - provavelmente, serei eu.

- Ligo para você mais tarde, ok? - Falei pro Oliver, enquanto começava a me afastar.

- Certo... - ele respondeu, claramente não guardando muitas expectativas. Ele me conhece bem demais.

Senti um pouco de remorso, porque ele tinha muitos motivos para duvidar do que eu prometia. Mas eu lidaria com isso depois. Agora eu não tinha tempo. Eu ainda tinha que andar cerca de um quilômetro.


**********

Cheguei na minha segunda escola do dia com dez minutos de antecedência. Tempo suficiente para comer uma maçã para enganar o estômago, já que eu havia comido na escola nove e meia da manhã e só ia ter uma pausa para almoçar às três da tarde.

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