"Parece que está mais difícil acreditar em qualquer coisa"
Por causa dos meus planos nem tão corretos para o final de semana, passei a sexta-feira e o sábado adiantando todo o meu dever de casa. Terminei meu trabalho de Filosofia, de Português e ainda consegui estudar para a prova de Matemática de segunda-feira. Eu simplesmente acho que sou assustadora demais para o pessoal me chamar de cê-dê-efe, porque eu preencho todos os requisitos.
Cheguei até mesmo a surpreender meu pai. Ele entrou no meu quarto na sexta-feira à noite – sem bater, claro, pra não perder o costume – pronto para me mandar ir estudar. Mas ficou me olhando escrever a conclusão do meu trabalho de Português. Olhei para ele, esperando que dissesse alguma coisa, mas ele apenas sorriu sutilmente e saiu do quarto, parecendo satisfeito.
Foi ótimo que ele não tivesse entrado, caso contrário teria achado uma coisa que o Oliver achou no dia seguinte, quando fazíamos a maquete de uma sociedade futurista para a aula de Sociologia.
— Quem é Rafael? – Ele perguntou, curioso.
Um prédio em miniatura escorregou da minha mão. Encarei-o, sobressaltada.
— O quê?! – Eu não lembrava de ter falado para ele sobre o Rafael. Provavelmente era a única coisa em muito tempo que eu não contava para ele.
— Quem é Rafael? – Ele repetiu, agora mudando o tom para malicioso ao ver meu choque.
Ele apontou para o meu mural, para o post it que o Rafael havia colado ali no outro dia. Eu havia esquecido completamente daquilo. Agora, eu me levantei e fui até lá ver o que era. Ele havia anotado o nome dele e um número de telefone em uma caligrafia fluida e clara – chegava a ser bonita demais para um garoto. Ele havia mesmo me dado o número do telefone dele. Eu sorri sutilmente.
— E aí? – Ele insistiu.
— Ninguém.
— Ninguém? – Ele pareceu aborrecido – "Ninguém" não sai por aí dando números de telefone. Anda, desembucha.
— Para com isso. Ele é só um sombrio.
— E desde quando vocês andam batendo um papinho pelo WhatsApp nas horas vagas? Eu achei que vocês eram, tipo assim, inimigos mortais.
— E somos.
Enquanto eu tirava o post it do mural e salvava o número na agenda do celular, eu suspirei cansada e contei para ele sobre o meu acordo com o Rafael. Contei tudo que vinha acontecendo. Tudo sobre tudo. Exceto o sobre meu assédio sexual ao Rafael na outra vez – isso era humilhante demais para eu contar a qualquer pessoa.
— E você tem certeza que isso é seguro? Você sabe, andar com um sombrio?
— Tenho certeza que não é seguro. Mas não é como se eu tivesse muitas opções. Mas, pelo menos até agora, ele não tentou me machucar em momento algum.
De fato, ele nunca me ameaçou. Talvez, depois que tudo isso acabar, ele resolva fazer isso. Tentar me machucar, quero dizer. Mas eu já tenho bastante coisas para me preocupar agora. Não preciso de mais. Vou deixar para pensar nisso quando acontecer. Se acontecer.
**********
Coloquei o despertador para as seis horas no domingo. Eu teria tempo suficiente para me arrumar e encontrar o Rafael às sete. Mas ao acordar, ouvi a chuva batendo nos vidros da janela. Rolei na cama, me encolhendo sob o cobertor.
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Além das Sombras
Ficção AdolescenteTudo que Vicky queria era ser uma garota normal de dezesseis anos. Ter um monte de amigos, ir ao cinema de vez em quando, frequentar apenas uma escola por dia... Mas, não. Em vez disso ela tinha de fazer parte de um seleto grupo de pessoas que, não...