28 - Sonhando Acordada

203 37 85
                                    

"Nós esperamos pelo sinal

E sonhamos com um lugar qualquer"


Tudo bem que a chuva de manhã havia amenizado bastante o calor. Mas talvez eu devesse ter vestido um short ao invés de usar a minha calça jeans cara — que agora estava me servindo, estava até um pouco folgada, na verdade. Só que agora que ela me servia eu ia usá-la até acabar, só para compensar o preço.

Na real, eu só tinha saído de casa depois de ser arrastada pela obrigação de ir até o banco pagar as contas, já que meu pai estava em uma reunião no Paraná. Então sobrou para mim manter as coisas em ordem — como se eu, ao menos, conseguisse manter a mim mesma na linha.

Mas tudo bem, porque eu realmente tive sorte de sair em um dia ensolarado, mas não abafado e escaldante. Até batia uma brisa. Mesmo estando de calça, uma t-shirt e All Star, eu não estava derretendo. E eu nem tinha demorado muito na fila do banco — embora eu não tivesse me muito importado de ficar no ar condicionado —, em vinte minutos eu já estava livre para voltar para minha casa e para o meu vídeo game. Talvez fosse meu dia de sorte, afinal — e, cara, com certeza eu estava precisando de um.

Sentei em um banco de madeira, sob a sombra de uma árvore no ponto de ônibus. A rua estava bem deserta para os padrões da cidade, não tinha mais ninguém no ponto e não passava ninguém na calçada, apenas um ou outro carro de vez em quando. Talvez porque estávamos as vésperas do feriado do Réveillon e todo mundo estava se preparando para descer a serra e ir para a praia. Observei, entediada, os seres humanos mais próximos: um casal correndo no parque, do outro lado da rua.

Mas claro que meu sossego tinha que durar pouco, porque a Lei de Murphy andava me seguindo ultimamente. Vi com a visão periférica quando um cara se aproximou. Não virei para olhá-lo e só pude perceber que ele usava jeans e tênis de lona. Parado a um metro de mim, ele perguntou, educado demais:

— Você se incomoda se eu sentar aqui? — Ele fez um gesto para o lugar vazio ao meu lado.

Ainda sem olhar para ele, dei de ombros e respondi, seca:

— É um espaço público.

Pude ouvir quando ele soltou um risinho baixo. Suspirei, cansada e sem nenhum humor, em seguida, abracei mais a mochila no meu colo. O cara sentou, mantendo o máximo de espaço de mim que o banco permitia.

Um tempo depois, ele murmurou:

— Vejo que está usando um novo colar.

Fiquei paralisada por um instante. Ele estava falando comigo, certo? Com quem mais seria? Mas só duas pessoas na Terra sabiam sobre o lance com aquele colar, a corrente com a chave: o Oliver e... bem, o Rafael. Meu coração falhou uma batida e virei imediatamente — quase torci o pescoço de tão rápido que virei.

Mas um ilustre desconhecido me encarava de volta. Sob um chapéu panamá, mechas de um cabelo negro e espesso caiam sobre seu rosto, que já estava em parte coberto por óculos escuros tipo aviador. Sem nenhuma sutileza, desci os olhos. Ele usava uma camisa azul com as mangas dobradas até o cotovelo e me dirigia um sorrisinho tímido. Eu era obrigada a admitir: o cara era bonito. E, sei lá, tinha qualquer coisa de familiar.

Eu continuei fitando-o, carrancuda. O meu cristal não estava brilhando, logo não era um sombrio. Quem era aquele cara para achar que sabia qualquer coisa sobre mim? Como se adivinhasse meus pensamentos, ele tirou os óculos escuros, lentamente.

O mundo inteiro parecia ter parado. Tudo. Até o vento parecia ter parado de soprar. Um par de olhos verde-esmeralda com minúsculos pontos prateados me observavam, calmamente, parecendo mais naturais do que nunca.

Além das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora