Capítulo 9

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Izzat saiu da loja de tecidos tentando aparentar tranquilidade. Caminhou algumas quadras e entrou em um peugeot branco. Era um carro usado, comprado por ele na manhã daquele mesmo dia. Sentou-se no banco e recostou a cabeça para trás. Embora fechasse os olhos, a visão do olhar de Youssef antes de morrer estava tão nítida em sua cabeça quanto a luz da manhã. De certa forma, era semelhante ao olhar de Said. Ambos tinham coragem e dignidade no semblante. Não mereciam a morte, não como lhes acometeu. Nada podia ser pior do que ver alguém morrendo a sangue frio. Sentiu pela primeira vez que suas pernas tremiam. A emoção contida a duras penas resolvera se manifestar. Abriu os olhos outra vez em busca de um lampejo; de um alívio; de um escape. Os propósitos de sua missão, de repente, pareciam ser irrelevantes. Sentiu-se perdido e sem norte.

Lembrou-se de Gabriel, o seu suposto anjo. Sentiu um desprezo quase insuportável. Passou a mão na testa, retirando as mechas que caiam sobre seus olhos. Em seguida, ligou para o agente.

Gabriel, seu miserável — pronunciou as palavras lentamente, como se fosse pesado falar cada sílaba — como teve coragem de fazer isso? — sua voz estava falha e ele parecia em choque.

— Pelo visto Youssef está morto — sua sentença fora dita com toque de audácia e sucesso.

— Como pôde me usar dessa forma?

— Não o usei. Achei apenas que se soubesse que o espião realmente existia e quem era ele, não faria o que combinamos.

— Tem razão — uma lágrima deslizou dos seus olhos. Ele sentiu uma espécie de remorso que ameaçava acompanhá-lo o resto da vida — Eu o conhecia, seu desgraçado — o tom em sua voz estava impregnado do mais sincero desprezo.

— Lamento, Izzat, mas quando acreditamos na mentira que contamos, fica mais fácil dissimular. Nem a mais perfeita de todas as mentiras convence e engana melhor do que meias verdades — Gabriel suspirou do outro lado da linha como se houvesse muito mais a ser dito — preciso encontrá-lo hoje.

— Eu não quero ver essa sua cara cínica tão cedo — a repulsa em sua voz era evidente, embora se expressasse com extrema mansidão — E vou te dizer uma coisa: nunca mais repita isso. Nunca mais me manipule. Não vou aceitar isso. Quero saber de tudo e poder escolher. Ouviu bem, Gabriel?

Izzat ouviu o som da respiração profunda do outro lado da linha.

— Eu sinto muito, Izzat. Quero que confie em mim.

— E eu quero que você vá para o inferno! — pela primeira vez esbravejou. Sua indignação e cólera se sobressaíram finalmente e Gabriel sentiu o açoite na voz.

— Mas você não entendeu que ele nos traía? — também alterou o tom de voz — Era um agente duplo. Estamos em uma guerra, sem leis e regras. O mais forte e mais esperto vencerá. Não haverá tréguas, apenas um vencedor e um perdedor. Eu mesmo poderia tê-lo matado, mas da forma que aconteceu, foi melhor para você: agora, será ainda mais respeitado pelo grupo — as palavras mais pareciam tiros de uma metralhadora: no mesmo ritmo acelerado e no mesmo tom.

— Então é isso que fará comigo quando não precisar mais de mim? Vai me colocar em uma emboscada?

— Apenas se nos trair, meu amigo.

— Não sou seu amigo — Izzat desligou o telefone, deu partida no carro e saiu sem destino.

Ele se perguntava até quando isso duraria. Ainda sentia suas mãos trêmulas e sabia que precisava se acalmar. Desejou dirigir para longe e desaparecer. A crueldade permeava todos os lados; o terror não era monopólio de ninguém. Izzat acelerou, sem rumo. Não sabia o que fazer ou em que acreditar enquanto a via a estrada que se estendia à sua frente.

IZZATOnde histórias criam vida. Descubra agora