Capítulo 20

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Ainda que o sol já tivesse saído no horizonte, não ultrapassara a barreira dos prédios de apartamentos e edifícios comerciais em Paris. Mesmo assim, o seu brilho no céu já anunciava que o dia seria ensolarado. As ruas próximas ao atentado ainda estavam interditadas e embora fosse uma quinta feira, havia pouca movimentação de pedestres e carros na cidade.

Sem receber o devido tratamento médico e cuidados de higiene, Izzat era escoltado até a base aérea de onde partiria o helicóptero que o levaria até o navio Cassandra.

Ele estava em uma viatura acompanhado por três policiais das forças especiais. Com o olhar perdido e distante, olhava para a horizonte enquanto pensava nos erros que cometera. Agora, além de Youssef, a morte de mais 12 pessoas o perturbava. Desejou, pela primeira vez ter fé. Uma fé que realmente pudesse libertá-lo, não somente das algemas, mas também do remorso. Fechou os olhos e pediu a Deus que o perdoasse. Lembrou-se do espetáculo encenado na ópera, em que assistiu Cristo sendo crucificado pelos pecados do mundo. Pela primeira vez desejou, mais do que tudo, poder acreditar. Acreditar que a fé pode afastar as trevas; que o amor pode afastar o ódio; que o perdão pode trazer a paz.

Olhou para si e viu que não tinha esperança. Tudo o que tinha era escuridão, ódio e desespero. Não era merecedor da graça divina, embora isso fosse o sonho de sua alma. Não era digno do amor de Melissa, o seu desejo mais profundo. Pensou em sua família, que a essa altura ainda não havia sido informada da sua situação. Mais uma vez almejou a morte, embora não acreditasse que seria bem recebido do outro lado do véu. A tristeza e a derrota o assombravam muito mais do que o terror que o aguardava na embarcação.

Um feixe de luz do sol banhava seu rosto encostado à janela do carro. Ele olhava o horizonte, mas não via nada além de um imenso deserto. Algumas vezes voltava sua atenção para a dentro do veículo e tudo o que via era um silêncio vazio na face daqueles homens, cujas mentes se recusariam a acreditar que estavam levando um homem sem alma, para o inferno.

O percurso que faziam até o destino estava tranquilo. Pegaram uma via expressa que circuncidava a cidade. O material bélico que aqueles homens portavam parecia desnecessário para a ameaça que o solitário Izzat representava. Além de metralhadoras, todos possuíam coletes a prova de balas, capacetes, granadas, pistolas, entre tantos outros acessórios utilizados pelas forças especiais. Sem perceber, Izzat deu-se conta de que estava sorrindo, afinal, tal honraria não é para qualquer tipo de prisioneiro.

Olhou outra vez para o céu e viu que ele era da cor exata dos olhos de Melissa. A dor que sentia em seu corpo em nada se comparava ao pesar que tinha por tê-la feito sofrer daquela maneira. Que futuro ela poderá ter ao seu lado?, as palavras de Tom o assolavam como uma música ruim que sua mente insistia em relembrar. No entanto, a sua razão o forçava a concordar.

Ele fechou os olhos e virou a cabeça para trás. De repente assustou-se com um impacto e um solavanco. Abriu os olhos de súbito. Os policiais que o acompanhavam imediatamente sacaram as armas. Até então ele não entendera o que acontecera, o que os atingira a ponto de tirá-los da faixa. Sem avisar, sentiu outra pancada, mas dessa vez, foi por trás da viatura.

Nesse instante, a van preta que provocara os choques ultrapassou o carro da polícia e se posicionou de forma ameaçadora bloqueando a faixa. O policial que dirigia precisou parar violentamente para evitar o impacto. Depois que os dois carros pararam no meio da via expressa, instantes de silêncio se seguiram.

Os policiais apontaram as armas e aguardaram. Aguardaram o ataque que não veio. Os tiros que não foram disparados. A ameaça se configurava em uma van preta bloqueando a via com os vidros e as portas fechadas. Diante da inercia, o policial sentado ao lado do motorista rompeu o silêncio e deu o primeiro tiro. O tiro recocheteou no vidro do veículo blindado.

IZZATOnde histórias criam vida. Descubra agora