Capítulo 1

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Seus olhos ardiam. Ele os cerrava o máximo que podia sem perder a visibilidade mas, ainda assim ardiam. Apesar disso, a luz não o incomodava. Pelo contrário, há meses esperava, ansioso, por esse momento. A brisa refrescante que soprava era um bálsamo para a sua dor e um lembrete de que chegara a hora de recomeçar.

Deu alguns passos, tonto pela maresia. Seu corpo ainda buscava o equilíbrio em terra firme ao tempo em que sentia que a qualquer momento vomitaria. Suas vísceras rangiam, talvez pela instabilidade sentida no helicóptero que o transportara até o continente ou então, pela imprevisibilidade do momento.

Ele caminhava devagar pelo estreito corredor cercado por grades altas e escoltado por dois agentes federais. Um deles carregava uma mochila, enquanto o outro sacudia um molho de chaves, cujo tilintar estridente demonstrava que em seu poder havia muito mais do que alguns gramas de metal; havia a liberdade. Com as mãos unidas à frente do corpo, rodeadas por algemas, levantou os braços devagar para livrar a visão da franja que caia sobre sua face. Não via a hora de se livrar dela de uma vez por todas. Mas isso era o menor de todos os seus problemas.

Parou diante do último portão. Um dos agentes se aproximou da fechadura e deslizou um cartão magnético sobre o leitor. Logo o barulho do destravamento foi ouvido. Do outro lado não havia rangidos, lamentações e tristeza. Depois de viver o inferno na Terra, sentia-se diante do paraíso. O agente que portava as chaves se aproximou e olhou pra ele com uma feição enigmática. Um olhar duro, porém piedoso. Procurou, com uma tranquilidade inoportuna para o momento, a chave que abriria as algemas. A demora fez o coração de Izzat disparar. Uniu as sobrancelhas enquanto soltava o ar pela boca, impaciente. Não queria ficar um minuto sequer além do que lhe era requerido pelo governo. Por fim, o homem encontrou a chave e a enfiou no pequeno fecho. Girou para direita e puxou o acessório.

Os olhos de Izzat brilharam ao ver a linda Paris, em plena primavera. Era cedo. A manhã ainda estava pela metade. O céu estava num tom de azul belíssimo. Decerto, depois de meses de frio, cinza e escuridão, a primavera chegou trazendo uma explosão de flores e de alegria. A cidade estava cheia de canteiros de tulipas e de gramados repletos por margaridas. Flores em vários tons de rosas pipocavam em cerejeiras, e depois que caíam, formando belos tapetes coloridos pela rua. Cada esquina, cada beco, cada lugar, produzia uma cena digna de ser pintada por qualquer artista.

Deu um passo e sentiu a liberdade. Depois de colocar a mochila nas costas, olhou para os lados e não viu ninguém. Estava só. Engoliu em seco e olhou para o céu. Sentiu a angústia o dominar. O medo da rejeição o fez desejar desaparecer. Fechou os punhos e decidiu encontrar um lugar distante para viver e recomeçar, onde não precisasse ser alvo dos olhares severos do seu pai. Se pudesse, voltaria para a Inglaterra e terminaria seus estudos: tudo o que mais gostava de fazer na vida; mas foi proibido de sair do país. Era, agora, um homem marcado.

A liberdade passou a ser um peso. Um desafio. De que lhe valeria a liberdade quando sua mente é cativa de lembranças que lhe amordaçam a alma? Sentou-se na calçada, sem direção. De cabeça baixa, ouviu o som da buzina. Ergueu o rosto e um alívio tomou conta do seu corpo. Sorriu ao ver Daleeu, seu amigo de infância, fazendo sinal com a mão. Levantou e caminhou até o carro.

- Está precisando de carona? - disse Daleeu com o vasto sorriso.

Daleeu saiu do carro e caminhou até ele. Deu-lhe um forte abraço e um beijo na bochecha.

- Irmão, que saudades! - Izzat falou.

- Também senti muito sua falta. Vamos, estamos atrasados.

Izzat entrou no carro um pouco mais animado. Durante a viagem, observou cada detalhe da cidade e, apesar de ter ficado longe por apenas nove meses, tudo parecia muito diferente. Embora estivesse na primavera, era como se Paris tivesse com as cores mais vibrantes do que o esperado, um tom acima do que estava acostumado. Mas a mudança, de fato, não ocorrera com ambiente, e sim, com o ponto de vista. Ele era um novo homem e não podia negar isso.

IZZATOnde histórias criam vida. Descubra agora