Izzat estava atrasado. Olhou para o relógio e imaginou a cara zangada do pai quando o avistasse. Metódico e pontual, o senhor Hassan não tolerava atrasos e faltas. Para piorar, ele não havia ido se encontrar com o senhor Omar Zarife. A essa altura, seu pai já deveria estar inchado de raiva sem saber as razões. Por fim, dobrou a esquina e entrou na rua da universidade. Procurou uma vaga próxima ao lugar em que o havia deixado, logo cedo. Parou o carro e olhou para os lados. Imaginava que encontraria o pai, em pé, na calçada, com as mãos no quadril. Para sua surpresa, não havia ninguém. Olhou novamente para o relógio e viu que eram 16h20. Ele já deveria estar aqui! Onde esse homem se meteu? Saiu do carro e se encostou na porta do veículo. Estava com os braços cruzados em frente ao corpo. Ele queria tanto chegar em casa para a oração do crepúsculo... onde ele está? Esperou mais cinco minutos e decidiu procurá-lo. Entrou na universidade por uma entrada secundária. Pediu informações sobre seu pai a um senhor que passava uma enceradeira em um extenso corredor de mármore.
— Raaji é muito teimoso — disse o senhor. — Resolveu retirar, sozinho, a mobília de uma sala de aula e transportá-la para o depósito. — Izzat ergueu a sobrancelha direita enquanto o homem continuava o seu relato — O problema é que se trata de uma sala com capacidade para duzentos alunos! — falou em tom de recriminação.
— Onde fica essa sala?
— Dobre à esquerda e suba as escadas e o encontrará na terceira porta à direita.
Transportar toda a mobília? Ele não pode fazer isso!
— Obrigado — correu seguindo o caminho indicado. Entrou no corredor e viu algumas cadeiras e mesas empilhadas. — Pai! — falou balançando a cabeça — O que o senhor está fazendo? Não pode carregar peso. Pare já com isso! — intimou como se não acreditasse na visão. — Quer ter outra crise de hérnia de disco?
Raaji carregava uma cadeira de madeira quando Izzat entrou. Parou visivelmente esbaforido.
— Está tudo bem... isso aqui não é pesado! — disse tentando aparentar tranquilidade.
Izzat foi até ele e segurou a cadeira que ele carregava.
— Deixa que eu faço isso! Sente-se aí e descanse. Sabe que está proibido de pegar peso. A mãe vai ficar furiosa quando souber.
— Eu sei... mas não tive escolha — fez uma pausa enquanto sentava-se — Sabe, filho... nos últimos meses a universidade tem enfrentado uma crise terrível. Muitos alunos trancaram a matrícula em razão dos atentados. Sobretudo os latinos, asiáticos e americanos. O quadro de funcionários foi reduzido e na nossa área de serviço geral sobrou pouca gente.
— Entendo... mas o senhor não pode assumir tudo sozinho — disse, carregando uma pilha de cadeiras para o corredor.
— Eu sei... na verdade, isso não é o meu serviço, mas estou cobrindo um amigo que faltou. Amanhã precisarão dessa sala para instalar um laboratório. Se a sala ainda estiver ocupada quando os equipamentos chegarem, tenho certeza que o demitirão também.
Izzat olhou para o pai e entendeu porque o amava tanto. Sempre tão prestativo e atencioso com as necessidades alheias. Apesar de ter a fama de durão, Hassan era um homem altruísta e bondoso. Parecia entender no tempo e na profundidade correta as necessidades das pessoas. Tinha uma habilidade incrível de discernir o que os outros diziam pelas entrelinhas. Sua sensibilidade o tornava um homem sempre presente nos momentos mais importantes daqueles que o cercavam. Decerto, era um exemplo que Izzat se orgulhava e tentava seguir.
— Tudo bem, eu desocupo a sala — falou ao pai, enquanto tirava a jaqueta cor de terra, que vestia sobre uma camisa de malha branca. — Mas por favor, não faça mais isso — sorriu de forma branda.
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IZZAT
ActionDurante uma onda de ataques terroristas que assolavam a Europa, Paris tornou-se uma cidade desolada. A polícia dominava as ruas e o menor movimento incomum era rapidamente monitorado. Invasão de casas, prisão de suspeitos e violência contra civis er...