Vinte e Dois

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Depois que tomam banho Aline, Marcos e João vão para a cozinha para tomar café e eu corro para dentro do banheiro e depois de me despir fico alguns minutos debaixo da água gelada pensando em tudo que aconteceu em minha vida nos últimos dias.

É preciso estar debaixo de água corrente para conseguir pensar nos problemas da vida.

Depois que termino meu banho volto para o meu quarto e vou até o closet; visto um short preto com alguns desenhos brancos de cervos (ironicamente), um casaco verde com mangas longas que puxo até o cotovelo e depois de calçar um sapato de couro sem cadarços coloco um pequeno chapéu preto sobre a cabeça.

Quando estou saindo do quarto vejo minha câmera sobre a escrivaninha e decido pegá-la. Vou andando pelo corredor até que decido parar e vou até o quarto da minha mãe... quer dizer, agora quarto do meu pai.

Entro e fico parado olhando para a cama completamente arrumada com uma colcha cinza, de repente me lembro de algumas vezes quando eu era criança e durante a noite acordava chorando por causa de algum pesadelo e meu pai ia até meu quarto, me pegava no colo e me colocava para dormir entre ele e minha mãe, eu amava a sensação de ter os dois do meu lado.

Dou a volta na cama e paro em frente à cômoda do lado da cama em que minha dormia, o cartão de memória dela está lá. Na noite anterior ao dia em que meu pai me levou para Montana ela estava se sentindo completamente bem e nós decidimos tirar algumas fotos por brincadeira, no início eu tirei algumas fotos dela sozinha, mas depois meu pai chegou e começou a tirar fotos de nós dois juntos. Agora o cartão está lá, próximo ao abajur, totalmente imóvel, quase como se estivesse sido esquecido a séculos.

Antes de sair do quarto eu o pego e o enfio dentro do bolso direito do short.

Assim que entro na cozinha Aline, Marcos e João se levantam das cadeiras junto à mesa e vêm em minha direção.

-O tio de João disse que eles só vão embora ás 12hrs – Marcos fala sorrindo. – Então nós temos duas horas, o que vamos fazer?

-Sabe eu estou com vontade de tomar um milk-shake desde que o meu se virou completamente sobre o Frederico Batista – digo e então nós quatro fazemos cara de nojo e falamos juntos: – Eca!

-E nós podemos ir ao Cafés Lavorini e comer alguns bolinhos – Aline fala. – Ainda bem que decidimos não tomar café.

-Você pode tirar algumas fotos Tumblavéis da gente no caminho – Marcos diz apontando para a câmera.

-Você tem Tumblr? – João pergunta e os dois começam uma conversa sobre o quanto o Tumblr é maravilhoso.

*

Durante o caminho tiro algumas fotos dele e ficam (quase) todas tão espontâneas que tenho certeza que Marcos irá querer publicá-las em seu Tumblr.

Chegamos a praça do comércio e fico impressionado que o palco já foi desmontado, mas então me lembro que hoje é o segundo dia depois do dia do festival e rio ao perceber que ao dormir pareceu que eu entrei em coma.

-Vocês compram o milk-shake para mim? – Pergunto parando no meio da praça. – Eu espero por vocês aqui.

-Tudo bem – Aline fala e então sai com os meninos.

Pego o cartão de memória em meu bolso e o coloco na câmera depois de tirar o meu. A primeira foto é da minha mãe sentada na cama com seu lenço azul-escuro na cabeça e toda sorridente, uma lágrima sai do meu olho direito enquanto eu passo as fotos e eu a limpo do rosto. Vou passando até que chega as fotos de nós dois juntos e é impossível não rir quando paro em uma foto que ela está sem o lenço e eu estou com as mãos sobre sua cabeça como se fosse uma bola de cristal; passo pelas fotos dela com o meu pai até chegar em uma selfie de nós três completamente sorridentes.

Levanto a cabeça e vejo Marcos, João e Aline voltando e decido tirar o cartão de memória da minha mãe da câmera – que agora sinto como se fosse o mais caro de todos os pertences de minha família – e coloco o meu de volta.

-Digam: modelos em todo momento! – Digo quando já estão próximos o bastante para me ouvir e tiro fotos deles andando em minha direção e fazendo algumas poses.

-Chocomenta, como sempre. – Aline diz ao me entregar o copo com o canudo e então pega meu chapéu e coloca sobre a sua cabeça.

-Ei Aline, você viu que o Ícaro está ali com os skatistas?! – Marcos diz apontando para o outro lado da praça.

-Vamos lá nele! – Ela diz e então sai correndo.

-Se eles agirem aqui como estavam na festa acho que vamos passar as próximas duas horas que me resta nessa cidade assistindo muita pegação em público – João fala e eu e Marcos rimos.

-Desculpa por sua despedida ser assim, João – digo rindo e ele balança a cabeça como se dissesse que está tudo bem.

*

Vamos embora da praça quando falta dez minutos para João partir, nós ficamos todo o tempo tentando aprender a andar de skate com os amigos de Ícaro e esquecemos completamente da hora – e só lembramos porque o tio de João ligou para ele.

Assim que chegamos em casa João corre até o quarto de hospedes para pegar sua bolsa e eu vou até o meu quarto e pego a carta de Laura – a garota que conheci na semana passada em Montana quando estava na casa da minha tia.

Encontro João se despedindo de Aline e Marcos do lado de fora da porta de casa.

-Thomás, o irmão da minha mãe chegou lá em casa e ela pediu para a gente ir correndo para lá – Aline fala depois de abraçar João. – Depois a gente te liga.

-Tudo bem – digo e então ela e Marcos saem correndo.

-Eu vou sentir falta dos dois – João diz sorrindo. – E de você também, claro!

-Nós também vamos sentir – digo.

Depois de alguns segundos decido começar a falar.

-Na semana passada eu passei os meus dias com uma menina chamada Laura Azevedo – digo e ele sorri. – Na minha última noite com ela, Laura me deu essa carta que ela escreveu para você, e eu prometi que se um dia eu o encontrasse eu a entregaria a você. Eu só não imaginava que te encontraria tão rápido. – Digo e dou a carta para ele.

João desdobra o papel e sorri enquanto lê toda a carta.

-Eu também gostaria muito de me encontrar com ela novamente algum dia – ele diz voltando a dobrar a carta. – Por que você não me deu a carta quando me conheceu?

-Eu queria saber se você era digno das palavras que ela escreveu, e você realmente é! Muito obrigado por ter jogado aquelas verdades na minha cara João, eu realmente precisava ouvir tudo aquilo.

-Não precisa agradecer, é o meu dever como garoto diferente e tudo mais. – Nós dois rimos. – Já que você é um garoto de recados eu gostaria de lhe pedir um favor: eu tinha esse amigo, o nome dele é Alexandre Ferraz, que foi embora de Novos Montes sem nem se despedir de mim. Eu gostaria que se um dia você o encontrasse que o pedisse para ligar para mim, ou pelo menos responder meus e-mails, eu ficaria muito feliz.

-Tudo bem, eu prometo que direi a ele se um dia o encontrar. – Falo sorrindo.

Então o tio dele vem andando ao lado do meu pai e eu o abraço me despedindo dele.

-Espero que a gente se encontre novamente algum dia – ele fala.

-Eu também.

-Tchau para você Thomás, e obrigado por fazer companhia ao João nesses dias – Frederico diz apertando minha mão.

-Não há de quê, eu que agradeço.

E então os dois andam até o carro que já está do lado de fora da garagem e depois de entrar vão embora.

Viro-me para o lado para conversar com meu pai, mas ele já está dentro de casa e anda em direção ao seu escritório.


A Inútil Capacidade de Ser ReceosoOnde histórias criam vida. Descubra agora