-Até hoje não entendo como você se lembra que era o peito esquerdo. - Marcos fala quando paramos na faixa de pedestres esperando o sinal fechar.
-Você já pegou no peito dela? - Falo rindo. - Não é uma sensação que se esquece fácil.
Ele se vira para Aline que está a sua direita e coloca as mãos sobre seus seios.
-Nada. - Ele diz e nós rimos.
O sinal fecha e nós atravessamos a rua.
-Isso foi diferente - João fala - já tinha ouvido falar de pessoas que eram amigas e depois... - ele faz um sinal com as mãos representando duas pessoas se beijando. - Mas nunca o inverso.
-Nós somos diferentes - falo ao me lembrar o que ele me disse mais cedo. - Então, o que vamos fazer agora.
-Você passou uma semana em outra cidade, Thomás - Aline diz. - Sei de uma pessoa que está com muita saudade de você.
-Larissa - digo sorrindo. - Bom, se queremos chegar logo ao outro lado da cidade teremos que pegar um ônibus. - Começo a correr indo em direção ao ponto de ônibus do outro lado da rua.
*
A Casa De Acolhimento Rosa Maria é a única coisa que minha família apóia e eu tenho total orgulho disso. A CARM (CARMA como a gente diz as vezes) acolhe crianças carentes da cidade e de locais próximos e as dão um lugar para morar. Há um ano atrás Marcos, Aline e eu visitamos a CARM para brincar com as crianças e foi quando eu me apaixonei pela Larissa, e desde então eu a visito quase todos os dias.
Paramos em frente aos portões do grande casarão que é a CARM e Aline aperta o botão do interfone (é estranho que Alícia, a porteira, não esteja aqui).
Esperamos alguns segundos e então alguém vem correndo pelo corredor lateral da parte de fora do casarão.
-Oi garotos - Alícia diz, ela é alta, loira e tem mais ou menos vinte e nove anos. - Desculpa deixar vocês esperando, estava terminando meu almoço. - Ela destranca o cadeado do portão e o abre.
-Almoço? Já está tão tarde assim? - Aline pergunta.
-Podemos ver as crianças agora? - Digo.
-Podem sim, as crianças almoçam mais cedo - Alicia diz enquanto entramos. - Elas estão brincando lá dentro.
-Obrigado, Alícia - Marcos fala e nós vamos em direção ao casarão.
Como estudamos no turno da manhã e só visitamos a CARM no turno vespertino, não sabemos o que as crianças fazem antes das duas da tarde.
Entramos no casarão e eu vou andando na frente pelo corredor. Passo pelas salas no corredor e vou em direção à sala de lazer.
-Thomás! - Escuto alguém gritar atrás de mim, pela voz eu já sei quem é.
-Larissa! - Digo ao me virar e ver a menininha de seis anos à alguns metros de mim, ela deveria estar em algumas das salas do corredor.
Ela corre vindo em minha direção e eu abro os braços, assim que chega até mim eu a abraço e giro no lugar a fazendo gargalhar.
-Eu senti sua falta - ela fala depois que beijo sua bochecha. -Você não veio semana passada, só a Aline e o Marcos.
-Me desculpe querida, eu passei a semana na casa da minha tia. - Vou andando com ela em meu colo em direção à sala de lazer
Me sento com ela no chão perto de algumas peças de LEGO.
-Você conheceu alguém lá? - Ela pergunta enquanto começamos a juntar as peças.
-Conheci uma garota muito legal - digo sorrindo. - Ela tem os cabelos castanhos iguais aos seus.
-Quem tem os cabelos castanhos como os da Larissa? - Marcos pergunta se sentando ao meu lado, Aline se senta ao lado de Larissa e a abraça forte. Eles estavam brincando com as outras crianças.
João encontrou um livro em algum lugar e começou a ler para as crianças no outro lado da sala.
-A garota que eu conheci em Montana.
-Ela é sua namorada? - Larissa pergunta.
-Não Lari, ela é só uma amiga.
-Uma amiga bem distante, espero - Aline fala.
-Bastante distante. - Marcos completa.
-É, à uma hora e meia de viagem. - Digo rindo.
Ficamos mais ou menos uma hora brincando com as crianças e decidimos ir embora assim que a aula começa.
-Vamos embora agora? - João pergunta enquanto vamos andando pela calçada do lado de fora da CARM.
-Não, quero visitar minha avó.
*
Minha avó é do tipo "quanto maior melhor", e um exemplo da sua filosofia de vida é a sua casa enorme.
Ando até o portão e aperto o botão do interfone.
-Quem é? - A voz dela sai pelo interfone.
-Sou eu vó, o Thomás.
-Cadê a sua chave, garoto?
-Eu esqueci em casa vó, será que dá pra abrir o portão primeiro e brigar comigo depois?
Ela não responde, mas no mesmo minuto o portão destranca sozinho.
-Vamos! - Digo e vou andando em direção a grande casa enquanto eles me seguem.
Entro na casa e vejo a porta do escritório aberta.
-Encontro vocês na cozinha depois. Digo.
Assim que entro no escritório vejo minha vó sentada em sua poltrona no canto mexendo em seu telefone.
-Como foi a viagem? - Ela pergunta em tom monótono sem levantar a cabeça.
-Viagem? Vovó eu estava em Montana.
-O que importa é se você se divertiu.
Me sento na poltrona atrás da mesa no centro.
-Sim, eu me diverti muito vovó. Mas agora isso não importa muito.
Ela finalmente larga o telefone e levanta a cabeça.
-Eu me sinto horrível que você não tenha estado para o velório da sua mãe Thomás. Mas foi uma exigência dela que você não a visse... Daquela forma.
-Eu não...
-Não interrompa quando alguém estiver falando com você, eu já te ensinei isso - ela para por alguns segundos pra ter certeza se eu entendi. - Sua mãe tinha umas exigências estranhas, onde já se viu um velório na área da piscina? Mas o que importa é que fizemos tudo que ela pediu, inclusive que você não estivesse lá.
Não consigo acreditar que de todas as ideias malucas da minha mãe eles resolveram seguir logo aquela.
-Agora pare de reclamar e vem comer algo, você tá muito magro. - Ela se levanta e sai do escritório e eu à sigo.
Na cozinha Aline, Marcos e João estão ajudando a cozinheira da vovó a preparar algo pra gente comer.
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A Inútil Capacidade de Ser Receoso
Teen FictionThomás Lavorini nunca teve um bom relacionamento com o pai, e depois que Raphael, seu pai, o levou para a casa de uma tia por uma semana para esconder o fato de sua mãe ter morrido, as coisas só tendem a piorar. Em meio á um ataque de raiva Thomás...