Untitled Part 2

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Me considerava uma adolescente de sorte por ter chegado aos 16 anos sem muitos contatos com a morte. Os poucos tinham sido profundamente superficiais. Enquanto alguns colegas relatavam com tristeza a perda de algum amigo na infância (o sufocamento no banheiro pelo vazamento do chuveiro a gás era o mais comum), eu apenas ouvia sobre aquela dor desconhecida de quem sente falta de uma presença que não pode voltar. Não era como brigar com alguém, se arrepender e depois fazer as pazes. A morte era definitiva, e a saudade um sentimento estranho de impotência. Você pode gritar, chorar, brigar com o mundo, mas nada do que você faça pode trazer à vida.

A vida passa, como um jogo que acaba e não pode recomeçar. Um único The End pra cada um.

Num sábado, há uns seis anos, minha mãe disse que passaríamos a tarde na casa de uma tia, irmã do meu pai, que ele quase não via e, claro, eu também pouco me lembrava do rosto dela. Tomamos banho, minha mãe escolheu pra mim uma roupa azul marinho, ela estava com um vestido marrom e meu pai com uma blusa preta. Naquele momento, na minha cabeça, as cores eram insignificantes.

Chegamos à casa da minha tia. Ela estava com uma de minhas primas e com meu tio, todos sentados com feições sérias e com copos de café nas mãos. Minha mãe foi direto abraçá-la, meu pai fez o mesmo com meu tio e eu olhei pra minha prima mais velha, que começou a chorar. Eu, sem saber o que fazer, sentei à mesa e ouvi as perguntas de minha mãe, querendo os detalhes do que havia acontecido.

Pausadamente, minha tia explicava que minha outra prima, que não estava naquela mesa, acordara no dia anterior com uma dor de cabeça explosiva. Foi o tempo de minha tia caminhar até o quarto pra pegar o remédio e pronto. Em segundos, minha prima estava desmaiada no chão, com sangue saindo pelos ouvidos, olhos e nariz. A cena foi chocante só de ter ouvido. Todos correram pro hospital, mas, quando chegaram lá, minha prima já estava praticamente morta. Naquele momento, o cérebro tinha parado e ela respirava só pela ajuda dos aparelhos.

Ouvindo isso, não entendi o que meus tios estavam fazendo ali em vez de ficarem com minha prima nos minutos finais. Sei lá, quem sabe ela acordasse, mas eu apenas ouvia, ninguém parecia preocupado em me explicar nada. E, assim, seguiu-se. Saí mais cedo da escola na segunda-feira, minha mãe me levou pra almoçar e pediu pra vizinha ficar comigo por algumas horas. Depois, ela e meu pai voltaram, com o rosto bastante cansado. Jantamos e fomos dormir em silêncio. No dia seguinte, fui pra escola e eles pro trabalho. Só isso. Nunca soube se minha prima tinha efetivamente morrido naquele dia. Apenas presumo que sim.

Quando, pela primeira vez, me deparei com a obrigação de ir a um enterro, não sabia o que fazer. Não existe um manual de instruções te ensinando como você deve se comportar, o que deve vestir, o que pode dizer, como cumprimentar a família de quem morreu. Mais uma vez, nada me foi indagado ou respondido. Minha mãe apenas entrou devagar no meu quarto, com o rosto ainda inchado, e perguntou delicadamente se eu estava bem. Como poderia estar bem? Preferi nem responder a essa pergunta... Continuei sentada no chão, encostada na cama, com a cabeça pra cima, olhando pro teto.

Depois de querer saber o óbvio, sentou na cama, longe de mim, e disse que o enterro de Laura seria logo pela manhã. Todo o colégio havia sido liberado das aulas. Ela, claramente, não sabia o que fazer. Parecia ter deixado em algum lugar seu dom pra maternidade. Ficamos em silêncio por alguns minutos, até que ela se levantou e saiu do quarto.

E se eu resolvesse ficar na cama me perguntando por que Laura tinha tomado essa decisão sem me falar nada? Mas se, talvez, olhar pra Laura, sem que ela pudesse desviar os olhos e mentir, fosse a única forma de ter resposta pra minha pergunta? Eu não me conformava com o fato de Laura ter se jogado pela janela.

A Teia dos SonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora