▪ Quente naturalmente ▪
Dia 85
-Esta de passares a vida a ir à escola aos sábados. Baralha-me. - reclama Ethan pela milionésima vez desde que lhe disse que tinha de lá ir hoje à noite.
-Já te expliquei. A Haidean está no clube de teatro e hoje há espetáculo. Não vou perder a grande estreia dela como protagonista.
Há muito que cheguei à conclusão que Ethan não odeia os humanos mas odeia certas rotinas humanas e uma delas é a escola. Só não entendo como se pode cansar de uma coisa onde nunca se envolveu realmente. Coisas de diabos que nunca vou entender.
Enquanto arrumava a roupa já lavada no roupeiro vejo três penas negras no chão. Olho para Ethan por cima do ombro e está entretido com um livro de banda desenhada. Ora aí está uma coisa humana que ele agora e descobriu há cerca de dois dias. Banda desenhada!
Pego nas penas e coloco-as discretamente na gaveta junto das outras que tenho encontrado nestes últimos dias. Será que está com queda de penas? Isso é sequer possível?
Não são muitas mas acho que oito penas em cinco dias é suspeito mas tenho vergonha de perguntar. Pode ser algo muito pessoal. Ou então é apenas normal.
-É aquela peça que ela está sempre a treinar cá em casa? Aquela que até eu já decorei as falas?
Rio-me. No fundo, no fundo, ele até gosta da Haidean.
-Exatamente. - respondo.
-E não é a mesma em que ela tem que contracenar com o Cody?
-Sim.
É verdade. Haidean é a princesa em perigo e Cody é o príncipe que a salva.
-Ela não quer nada ter de o beijar. - comento - Dá-nos vómitos às duas para ser sincera.
Ethan ri-se e larga o livro. Sorrio para ele e ele faz um gesto com a cabeça indicando para me aproximar. De seguida, puxa-me para o seu colo rodeando depois a minha cintura.
-Fico descansado com esse pensamento. - diz e ri-se.
Olho para a janela ao lado da cadeira. Está um dia de chuva como já não havia aqui em Ottawa há muito tempo. Sempre gostei do barulho da chuva e de observar as pequenas gotas a deslizar pelos vidros.
Sinto o nariz de Ethan no meu pescoço e encolho-me a rir.
-Resulta sempre. - murmura.
Sorrio e deixo que os seus lábios se colem nos meus. Não num beijo desesperado e selvagem mas num beijo delicado e doce. Mas igualmente quente. Tal como o corpo de Ethan que parece estar constantemente com febre mas é só a sua temperatura normal.
A porta do quarto abre-se de repente e não dá tempo a nenhum de nós de reagir da maneira correta.
-Desculpa, querida! Não sabia que tinhas uma visita... - diz a minha mãe quase tão vermelha como eu me encontrava. Apenas havia uma diferença. Eu estava vermelha de embaraço e ela de surpresa. E talvez porque está a conter o riso.
Salto do colo de Ethan e olho para ele com um olhar que diz "Porque é que não estás invisível?" ao qual ele responde com um encolher de ombros. "Não tive tempo para pensar".
A minha mãe em vez de sair do quarto, entra nele. Estou tão embaraçada que comecei a suar das mãos.
-Sou a Laura, mãe da Kira. - diz estendendo a mão.
-Ethan. Muito prazer. - ele hesita quando estende a mão para a da minha mãe. No segundo a seguir ela já está de volta dele.
-Estás tão quente! Não estás com febre, pois não? - pergunta colocando as mãos na testa e bochechas de Ethan. Eu decido intervir.
-Mãe, ele é quente naturalmente. - eu disse aquilo com toda a inocência do mundo e só depois é que vi o sentido daquilo que tinha acabado de dizer. Sinto-me a corar, Ethan ri e a minha mãe mostra um sorriso malicioso.
-Imagino. - diz - Bem, vou deixar-vos. Juízo!
Com isto sai e Ethan solta uma gargalhada. Eu apenas cubro a minha cara com ambas as mãos. Que vergonha!
-Anda cá. - diz.
-Não. - murmuro ainda a cobrir a cara.
Oiço-o a levantar-se a aproximar-se por isso recuo. Má escolha, pois acabo por tropeçar e cair de costas na cama. Mas não tirei as mãos da cara.
-Kira.
-Não.
Ele continua a rir-se. Ele puxa os meus pulsos mas eu luto contra isso sem sucesso. Ele acaba por prender os meus pulsos um de cada lado da minha cabeça. O corpo dele está praticamente sobre o meu e a sua cara ao alcance da minha.
-Olá. - diz.
Não respondo. Aqueles olhos tornaram-se o meu vício de tão únicos e profundos que são. Dourado-prateado.
Ele dá-me um beijo rápido e sai de cima de mim deixando-me livre.
-Está quase na hora. Queres ir andando?
-Sim. - respondo.
Pego no casaco e no chapéu de chuva e seguimos.A escola estava cheia de pais, alunos, professores. Mas Haidean insistira que eu ficásse nos bastiadores. Do lado de dentro da cortinha. Para apreciar bem a atriz que ela era, disse ela.
Ethan está invisível e agradeço por isso. Seria mais um inquérito e eu dispenso.
-Deseja-me sorte! - diz e entra em cena.
Sorrio ao vê-la atuar. Está tão confiante que parece intimidar Cody e isso agrada-me. Os nossos olhares cruzam-se e eu desvio imediatamente o olhar. Ele é nojento.No intervalo Haidean aproxima-se a correr e do nada cai. Corro para ela que caiu mesmo na entrada dos bastiadores.
-Haidean!
-Acho que me magoei no tornozelo. - chora de dor.
-Então e o espetáculo? - pergunta Cody.
-Vais dizer que é mais importante que o bem estar dela?! Idiota! - quase grito.
-Kira - Haidean começa - Ele tem razão. Tens de entrar tu.
-Eu?!
-Sim, eu não tenho substituta e tu és a única que sabe as falas todas de cor da quantidade de vezes que ensaiei contigo! Por favor! Por mim!
Respiro fundo e ajudo-a a sentar-se.
-Está bem.
Quando dou por mim tenho um vestido comprido e volumoso e estou a segundos de entrar em cena.
Dou um olhar rápido a Ethan que me observa de cima abaixo a sorrir. Por fim levanta o polegar.
Sorrio e arranjo o vestido enquanto começo a entrar no palco.
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90 Dias
FantasyOs diabos vieram reclamar a alma dela. Ela implorou pela vida. Eles deram-lhe mais 90 dias de vida. Com eles. Ela aceita o acordo. O pacto com o diabo está feito e ela tem 90 dias. 90 dias sob a supervisão de um dos diabos. No primeiro dia conhece...