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O anjo no ombro direito e o diabo no ombro esquerdo ▪

Dia 5

Os dias são monótomos e apesar de o tempo passar devagar passa também a voar, talvez por eu estar numa contagem decrescente constante.
A arrogância e impaciência de Ethan tornaram-se parte da rotina por isso cada vez que ele revira os olhos ou me irrita já consigo controlar a raiva.
E aprendeu a dar-me privacidade quando estou a tomar banho.
A minha mãe voltou a trabalhar mas tenta passar o máximo de tempo comigo. Às vezes perco-me nos meus pensamentos. Devia passar o máximo de tempo possível com ela porque não me resta muito, mas por outro lado quanto menos tempo passar com ela talvez mais fácil seja partir. Ou são opções igualmente dolorosas.

-A vossa vida é aborrecida. - Oh! Lá está a frase diária de Ethan! Aprendi a ignorá-la mas às vezes não me consigo conter.
-Verdade, seria muito mais divertido caçar alminhas ou fazer rituais onde sacrificas uma virgem e um bode.
-Devo dizer-te que esses vossos conhecimentos não fazem muito sentido. O bode é um dos representantes da luxúria e misturarem-no com uma virgem é só estranho.
Faço uma careta perante a sua resposta.
-Então é esse o vosso hobbie?
-Nós não inventámos os vossos rituais ridículos. - mostra um sorriso que nunca me inspira confiança - Mas admito que alguns são bem interessantes de se assistir.
Reviro os olhos e entro no meu quarto. Ethan senta-se na cadeira como se estivesse em sua casa e eu sento-me na cama a fazer trabalhos de casa.
-Não te cansas de fazer isso? Às vezes não gostavas de ser um pouco mais... rebelde?
Levanto o olhar do caderno para olhar para ele.
-Estás a tentar virar-me para o lado negro, diabinho? É que não ligo às discussões entre o anjo do meu ombro direito e o diabo do meu ombro esquerdo.
-Também nunca entendi isso. - diz, mais uma vez enojado com a raça humana.
-São todos como tu? Diabos que odeiam os humanos?
-Até acho que sou melhor, visto que estou aqui a aturar-te.
A raiva aquece-me o sangue e sei que estou vermelha.
-Não te preocupes, daqui a oitenta e cinco dias é menos um peso que tens! - grito.
Não olha para mim nem muda a expressão.
-Estou a contar os dias. - responde.

Dia 8

Três dias sem falar com Ethan e ele parece nem se importar. Porque é que haveria? Afinal está só à espera da minha alma e não precisa de falar comigo enquanto o faz.

Haidean chega cedo no sábado de manhã, acordando-me quando salta para a minha cama.
-Acorda dorminhoca!
Abro os olhos devagar e quase que sintos os olhos de Ethan a revirar por ela não o deixar dormir mais. Está invisível para ela mas consigo ver que está chateado. Nem sei como é que ele aguenta dormir naquela cadeira.
-Haidean? Eu disse que antes da 10.30 eu não estava acordada.
-Eu sei mas eu estou muito entusiasmada com o Baile da Primavera. É a primeira vez que sou a presidente da decoração! Normalmente era só uma das escravas, agora posso dar ordens!
Ela está mesmo entusiasmada. Não pára de sorrir e bate palmas que nem uma louca.
-Que ingenuidade. - oiço Ethan.
-Oh, cala-te! - resmungo, esquecendo-me que só eu o vejo.
Haidean fica a olhar para mim confusa.
-Desculpa, sabes como é que sou de manhã. - faz um aceno com a cabeça e não sei se hei de ficar ofendida ou aliviada - Mas não tens tempo de preparar o Baile da Primavera?
-Kira! Falta exatamente oitenta e dois dias! Não há tempo a perder.
Oitenta e dois dias.
Então a minha última noite vai ser no dia do Baile de Primavera.
Forço-me a sorrir para ela tentando esquecer os meus dias contados.
Haidean conta os dias para a melhor noite da sua vida. Ethan conta os dias para se ver livre de mim. E eu... Bem, conto os dias que me restam antes de entrar no esquecimento.
Passo o meu olhar devagarinho por Ethan. Está a olhar para mim, não com a sua habitual expressão impaciente e arrogante mas uma expressão que não consigo decifrar. E que não me irrita.
Desvio o olhar e observo a felicidade da minha amiga enquanto fala, mesmo não estando a ouvir nada do que diz.
E sem olhar, sei que os olhos dourados-prateados do diabo sentado na minha cadeira continuam pousados em mim, quentes como o fogo do inferno.

90 DiasOnde histórias criam vida. Descubra agora