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Os pesadelos também são sonhos ▪

Dia 1

Acordo sobressalatada. Há muito tempo que não dormia realmente e provavelmente é por isso que tive um sonho tão estranho. Ou um pesadelo visto que incluia oito diabos que vinham buscar a minha alma.
Levanto-me devagar e dirijo-me à casa de banho. Tomo um banho de água fria para acordar e visto algo confortável.
Enquanto secava o cabelo com uma toalha assusto-me ao ver um rapaz sentado na cadeira ao pé da janela do meu quarto. E reconheço-o do meu pesadelo. É um dos diabos. Não consigo ver a sua sombra para ter a certeza e fico apenas a olhar para ele e ele revira os olhos e suspira.
-Vais passar os teus últimos noventa dias de vida a olhar para mim de boca aberta? - pergunta, obviamente sem paciência.
Não foi um sonho. Aconteceu mesmo.
Obrigo-me a mexer. Fecho a porta do quarto e sento-me na cama ainda a olhar para ele.
Lembro-me vagamente dos outros mas este e a mulher-diabo estão bem presentes na minha memória.
O seu cabelo é castanho com algumas madeixas prateadas e os seus olhos são uma mistura de ouro e prata. As feições perfeitas tal como as dos outros.
-Mas... - ainda me custa acreditar que aconteceu mesmo. Secalhar ainda estou a sonhar.
Ele ri-se de uma maneira diabólica mas divertida.
-Não estás a sonhar, Kira. Sou o responsável por ti durante estes noventa dias e digo-te que já despediças-te algum desse tempo só a olhar para mim.
Ele está a gozar comigo! Quando não é a tua alma que está em jogo deve ser divertido.
Desvio o olhar zangada e tento arrumar o meu quarto mas a presença dele incomoda-me.
-Vais ficar aí muito tempo? - pergunto bruscamente.
Ele não tira os olhos de um livro que tirou da minha mesa e responde.
-Não. - que alívio - Quando fores para outro sítio também vou.
Sinto a raiva a fervilhar dentro de mim e arranco-lhe o livro das mãos arrumando-o.
Alguém abre a porta do quarto.
-Querida? - é a minha mãe - Vou às compras, volto mais tarde.
Em pânico olho para a cadeira. O que é que pensaria a minha mãe por ter um rapaz no quarto?!
Está vazia.
Ela aproxima-se sorridente e beija-me a testa.
-Tinha saudades disto. Até logo.
-Até... logo...
Para onde é que ele foi?
Mal vejo o carro a sair da garagem dou um salto pois o diabo apareceu de novo como se nunca tivesse saído, com o livro na mão outra vez.
-A sério que lês isto? Onde está o realismo da vida? - pergunta.
Fala o diabo enviado para me tirar a alma sentado na minha cadeira como se nada fosse.
-Como é que fizeste isso?
-O quê? - pergunta de forma rude.
-Desapareceste.
-Apenas fiquei invisível mas nunca saí daqui.
A sua arrogância irrita-me e dirijo-me à cozinha. Quando entro ele já lá está sentado em cima da bancada a observar uma maçã.
Acho que não devia ficar surpreendida.
-Vais seguir-me para todo lado?
-Achas que estás aborrecida? Eu é que estou encarregue de seguir uma humana durante noventa dias, vinte e quatro horas por dia, sem dias de descanso.
-Aqui a humana tem nome, diabinho.
Ele sorri. Um sorriso típico de diabo.
-E aqui o "diabinho" também tem nome.
-Normalmente não estou interessada em conhecer as pessoas que exigem a minha alma.
-Mas queres aquelas que exigem o teu coração. - revira os olhos o que me faz revirar os meus - Vocês humanos são todos iguais.
-Vais julgar-nos por sermos seres dependentes de amor?
-Tens resposta para tudo, ruiva?
Eu não sou bem ruiva. Quer dizer, o meu cabelo é ruivo mas é tão escuro que parece vermelho. Acho que se pode considerar mesmo que é vermelho escuro.
Reviro os olhos. Não havia um diabo menos irritante?
-O meu nome não é "ruiva", nem "humana".
-Eu sei. Mas a minha natureza não me permite agradar as pessoas.
-Será só a tua natureza ou serias assim de qualquer maneira?
Ele cala-se, visivelmente chateado com a minha resposta. Mostro um sorriso triunfante e tiro algo do frigorífico para comer.
-Ethan. - ele diz depois de um momento de silêncio.
-Desculpa?
-Não é "diabinho". É Ethan.
Não respondo e continuo a comer.
O sol que entra pela janela forma a sua sombra na parede. Vejo asas grandes mas não tão pontiagudas como as da mulher-diabo, acho que o nome dela era Lilith. Asas mas nada de cornos ou caudas.
-Não somos todos iguais apesar de vocês, humanos acharem que somos uma cambada de homens de pele vermelha, olhos amarelhos, um par de asas, cornos e uma cauda pontiaguda. - diz parecendo irritado.
-Acho que grande parte não acredita na vossa existência quanto mais no vosso aspeto. Eu só acredito porque vivi num sonho que se tranformou num pesadelo tornado realidade. - digo referindo-me ao pacto feito com o Diabo.
-Vocês querem sempre que os sonhos se realizem mas esquecem-se que os pesadelos também são sonhos. - diz Ethan.
Fico em silêncio perante a verdade nas suas palavras.

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