▪ 22 ▪

210 32 2
                                        

▪ Promessa ▪

Dois meses depois

Talon olha para mim. A sua pele cinzenta faz realçar os olhos amarelos brilhantes que se fixam nos meus.
Tem cornos compridos e asas enormes. Os seus dentes afiados espelham quem manda aqui. Quem manda no Inferno.
O riso dele é tão diabólico que me faz doer o corpo todo, como se as vibrações da sua voz conseguissem partir-me os ossos.
Caio de joelhos e forço-me a não chorar. Chega de chorar.
Olho para ele e mostra-me um sorriso. De seguida faz um gesto a um pequeno elfo negro e este abre uma porta grande de onde entram Lilith e Gabriel e no meio, como prisioneiro, Ethan.
-Ethan! - as lágrimas escorrem e repreendo-me por isso. No meio de diabos não nos devemos mostrar vulneráveis.
Mas a verdade é que Ethan me deixa vulnerável. E eles sabem.
E vão usar isso contra mim.
-Achavas mesmo que uma humana e um ser das trevas poderiam ficar juntos? Logo um Príncipe do Inferno? - Talon ri-se - Eu sou o Rei e eu é que decido!
Estremeço quando Ethan é atirado para o chão. A sua expressão mostra dor e é como uma facada no coração. Ele está a sofrer, tudo porque o amei. Tudo porque nos amámos.
-Tem de ser castigado. - diz Lilith com uma satisfação visível no seu sorriso. Aqui no Inferno o que as sombras escondem está bem visível à vista.
-Por favor... - imploro.
-Lilith - começa Gabriel - Queres fazer as honras?
Lilith faz uma vénia exagerada e sorri para Ethan.
-Desculpa, irmão.
Dito isto agarra numa das asas de Ethan e arranca-a com tanta facilidade que mais parecia papel.
Ethan grita e vejo as lágrimas a escorrerem pelas suas faces. A agonia é tão percetível no seu grito que sinto vontade de vomitar.
Gabriel avança para a próxima asa e começa por arrancar umas penas mas depois arranca a asa toda. O grito de dor invade o sítio e eu contorço-me no chão como se fosse eu a castigada.
Quando olho para Ethan este não olha para mim. Apenas treme e cai de costas para cima a gemes de dor.
A única coisa que me faz lembrar que aquilo é apenas um sonho é o sangue que escorre das feridas das costas. Os diabos não têm sangue, eles não sangram e isso força-me a mim própria a acordar deste pesadelo.

-Ethan! - grito.
-Está tudo bem! Kira!
Abro os olhos e vejo Jev a agarrar-me os ombros com ar ensonado mas alerta.
-Jev. - ele puxa-me para um abraço apesar de eu estar toda suada e com a cara molhada das lágrimas.
-Pesadelo? Ethan de novo? - pergunta.
Assinto e ele aperta-me suavemente. Acreditando ou não, na noite do baile Jev encontrou-me no telhado de joelhos a olhar para uma pena negra. Ficou comigo e não sei bem como acabei a contar-lhe tudo. Tudo. Desde o pacto ao facto de o Ethan ser um diabo. E ele acreditou. Eu estava devastada com o que tinha acabado de acontecer e fiquei muito surpreendida por ele simplesmente ter acreditado. Depois revelou-me que também era um ser celestial. Era um anjo da guarda. O meu anjo da guarda e por isso é que sabia que eu estaria ali.
E nem duvidei. Afinal, a primeira vez que nos vimos foi quando ele me salvou de ser atropelada.
Então nos últimos dois meses, o meu anjo da guarda, Jev, aparece sempre que tenho pesadelos, fica comigo dias inteiros no silêncio do quarto, deixa-me olhar pela janela sem fazer perguntas. Apenas silêncio. E também me ouve se eu precisar de falar. Mas a dor não desaparece.
-Desaparece com o tempo. - disse ele.
Dois meses e parece que em vez de diminuir, aumenta.
Ethan quebrou regras para me manter viva mais noventa dias e acabou também por quebrar o pacto para me deixar viver.
Não sei o que doi mais. A dor que sinto com a sua ausência ou o a dor do medo que tenho por saber que certamente ele foi castigado. Ou morto.
Pode ter quebrado as regras e o pacto mas uma coisa não quebrou. A sua promessa.
Eu vou proteger-te.
E protegeu.

90 DiasOnde histórias criam vida. Descubra agora