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▪ Presa no Inferno ▪

Dia 60

   Não contei a Ethan a visita dos seus "irmãos". Não vale a pena relarmo-nos com isso.
  
   -Falta um mês! - quase grita a Haidean - O baile está tão perto!
   Um mês para deixar este mundo.
   -E tu estás tão maluquinha! - rio - Tem calma.
   Ethan revira os olhos e respira fundo. Ele é sempre tão impaciente.
   -Vou comer. - diz. Não lhe respondo para não dar a impressão a Haidean que estou a falar sozinha.
   Continuamos a falar as duas até que Haidean, de repente, fica fixa na porta do quarto. Olho na mesma direção apenas para encontrar Ethan a comer uma taça de gelado.
   -Que foi? - pergunta-me. Depois olha para a Haidean e quase larga o gelado.
   -Consegues vê-lo? - pergunto.
   -É claro que consigo, Kira. Uso óculos mas não sou cega. - responde.
   Oh. Meu. Deus. Ela vê-o.
   -O que é que faz um rapaz descalço à porta do teu quarto? - abro a boca para responder mas ela continua - Melhor ainda! O que faz este rapaz, Ethan, na porta do teu quarto?
   Não respondo e ele continua imóvel. Haidean começa a rir.
   -Eu sabia que ía haver coisa desde a primeira vez, e única diga-se de passagem, que o vi à tua espera na escola!
   -Haidean, não... - começo mas Ethan interrompe-me.
   -Isso é absurdo.
   -Exato! - respondo, apesar de as suas palavras me terem magoado um pouco.
   -Nós nunca poderíamos estar juntos.
   -Porquê? Acho que fariam um casal adorável.
   -Eu sou um diabo, ela é humana. Nunca resultaria.
   Haidean ri-se e inclina-se para me sussurrar.
   -Tens de tirar um dia para me explicar estes códigos que tens com os teus amigos.
   Sorrio e contenho-me para não bater no Ethan por ter ido comer e à vinda para o quarto se ter esquecido de ficar invisível.

   Ethan fingiu que se tinha ido embora mas só ficou na cadeira. Invisível. Tal como devia ser.
   O problema foi que tive de arranjar um monte de desculpas para explicar o facto de ter um rapaz descalço, bastante familiarizado com a casa no meu corredor até ela se ir embora. E foi um alívio quando finalmente ela foi.
   -Foi divertido. - diz.
   Reviro os olhos e ele ri. Acho que se sente bem a irritar-me. Acho que foi a primeira característica que conheci dele e vai ser aquela que me vai acompanhar até ao fim.
   -Não acredito que te esqueceste de ficar invisível para ela.
   -Acontece, okay? Relaxa.
   Eu sou um diabo, ela é humana. Nunca resultaria.
   Nunca resultaria.
   -Como queiras. - digo.
   -Só isso? Não vais sequer tentar argumentar contra mim? - parece surpreendido.
   -Estou farta de perder o meu tempo limitado a discutir contigo, Ethan.
   Arrega-la os olhos mas mantém-se calado. Acho que até ele está farto de discutir comigo.
   -A minha mãe vai jantar com as amigas por isso podes comer na cozinha hoje. - digo sem olhar para ele enquanto arrumo a minha roupa.
   -E posso ajudar-te com o jantar se quiseres.
   Agora olho para ele com as mãos na cintura.
   -Nem sabia que conhecias isso. - digo.
   -O quê?
   -O verbo ajudar.
   Ele sorri.
   -Eu sabia que não tinhas desistido das nossas discussões.
   Sorrio também e dirijo-me para a cozinha com Ethan atrás de mim.
   Começo a tirar alguns ingredientes do frigorífico e Ethan senta-se na bancada.
   -Bem me parecia que não conhecias o verbo.
   -Desmotivaste-me. Nunca ouviste falar que não deves desmotivar o diabo?
   -Já ouvi dizer que não devo fazer pactos com ele. - digo de costas para ele. Estava à espera de uma resposta mas apenas havia silêncio. Olhei discretamente por cima do ombro e ele fitava as suas mãos acabando apenas por murmurar.
   -Pois.
   Mordo o lábio e volto a concentrar-me. Quando me viro com a tigela na mão não estou à espera de ver Ethan tão perto de mim e assusto-me deixando cair a mesma no chão. Para além de haver comida espalhada, a tigela está partida.
   -Não queria assustar-te. - sussurra aproximando-se de mim. Ele é mais alto, logo se olhar em frente vejo o seu peito. Inclino a cabeça para baixo para evitar olhar para ele. Estamos demasiado perto.
   -A tigela... - tento falar mas a voz está tremula por isso calo-me.
   -Eu posso tratar da tigela. - diz bruscamente.
   Depois a sua mão sobe até ao meu queixo e obriga-me a olhar para ele. Não olhes nos olhos dele, Kira.
   Tarde demais.
   O seu polegar acaricia-me agora a bochecha e tenho de lutar contra a tentação de fechar os olhos. Contra a tentação de me entregar.
   Os meus lábios estão ligeiramente abertos e o meu coração acelerou. Ele está tão perto que receio que ele o sinta. Coro com o pensamento.
   -Às vezes esqueço-me de como coras com facilidade. - sorri - É engraçado ver o teu sangue a preencher-te as faces. Enchem-se de cor apenas com um toque. Ou pensamento.
   Odeio este efeito que ele tem em mim. A minha respiração está tão irregular que acho que vou desmaiar a qualquer segundo.
   Eu quero ouvi-lo da tua boca, Ethan. Eu quero proteger-te. Eu vou proteger-te.
   Diz que me desejas.
   Mas ele não fala. Apenas aproxima os seus lábios dos meus e sou atraída como um íman.
   Eu quero entregar-me. Mas como entregar-me ao diabo sem estar destinada a arder no Inferno?
   Sim, porque no final disto tudo é o que vai acontecer. Vou apenas sentir dor. Inferno.
   Os nossos narizes tocam-se quando eu fecho os olhos e impeço-o de continuar.
   Eu sou um diabo e ela humana. Nunca resultaria.
   E nunca resultará.
   Depois de uns segundos, finalmente me afasto.
   -Nunca resultaria. Lembraste? - murmuro, evitando olhá-lo nos olhos.
   -O quê? - parece confuso e atordoado.
   -Acho que vou encomendar uma pizza. - acabo por dizer - Trata da tigela.
   E saio da cozinha tentando controlar a minha respiração de novo.

90 DiasOnde histórias criam vida. Descubra agora