Porque um dia não me vou importar

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Todos os dias falo comigo mesmo

E convenço-me a não me matar

Mas um dia não me vou importar

Por isso esta é a minha carta de despedida

Para quando esse dia chegar


Deixo para trás uma grande obra

Em que descrevo o que sinto

E que pouca gente sabe

Deixo as histórias de depressão e ansiedade

De dor e perda

De choro e chuva

Tentei ser mais alegre

Ter mais esperança

Mas não consigo

O passado persegue-me

Tortura-me, cospe-me na cara

Lembro-me na perfeição de cada erro que cometi,

De cada conversa desconfortável,

De cada insulto, de cada vez que fui ignorado.

Não me consigo despedir do passado

Dizer-lhe adeus para sempre

Trago-o sempre ao peito

Como um amigo chegado

E sei que me faz mal

Mas não o consigo deixar ir

Porque sem passado quem sou eu?


Quem sou eu?

Sempre me perguntei e nunca soube

Dizem que sou novo demais para saber

Mas o que sei é que sou todos os que conheci

Imito e adquiro um pouco de toda a gente

Incluindo personagens de livros e séries e filmes

Sou um mundo complexo

Uma máquina antiga e elaborada

Dentro de mim tenho mundos selvagens

Cidades de ferro e aço

Florestas de pinheiros e ciprestes

Mundos onde só eu e os meus amigos imaginários andam

Deambulamos dia e noite perdidos

Num mundo que é doce como o açúcar

Mal que faz mal como o sal.


Não queria dizer adeus

Queria ficar um pouco mais

Abraçar mais forte

Beijar mais intensamente

Mas digo adeus porque sou

Incapaz de lutar mais

Estou cansado do dia a dia

Da rotina velha e matreira

Que me leva a felicidade e me deixa

Com o cinzento do céu num dia de tempestade


Família, nunca gostei de vós,

Excepto as avós.

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