Show me the way

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Oi!

(Nem vou falar nada aqui hoje, pois sei que estou destinada apenas a receber ameaças e mais ameças)

Ta bem curtinho.

Amo você.

-G

(favescabello)



Com um vento gelado soprando pela armação da ponte General Edwards, Lucy Vives tirou o cortador de metal da traseira do caminhão. As lâminas serrilhadas pesavam 18 quilos e eram capazes de retalhar o aço, mas ela manipulava o aparelho como se fosse uma tesoura comum com suas mãos habilidosas. Lucy se ajoelhou por um momento e fez a prece dos bombeiros, que vinha aos seus lábios sempre que ela ia para o trabalho.

Dê-me coragem. Dê-me força. Por favor, Senhor, haja o que houver, esteja ao meu lado.

E daí veio a ação frenética. Milhares — milhões — de cálculos e considerações. Todos instantâneos. Ela avaliou a gasolina derramada e a chance de haver uma fagulha ou explosão. Estimou o caminho mais rápido para chegar ao interior dos destroços — através do para-brisas, do capo ou das portas? E ela fez as contas para saber quanto tempo tinha para o resgate. Tempo, o precioso tempo. Lucy deixou para trás as marcas de pneus no chão e a carroceria destruída do caminhão. E nem se incomodou com o caminhoneiro sentado no meio-fio. O homem estava com as mãos cobrindo a cabeça. Ele fedia a cerveja e sangue. Era uma das regras do resgate: o Céu protege os tolos e os bêbados. O cara ia ficar bem.

A verificação imediata da placa do carro branco forneceu as primeiras informações: o Ford pertencia a Sra. Norman Pung, da Alameda Cloutman, em Marblehead. Idade: 73. Tinha problemas de visão. Talvez fosse a primeira pista.

O veículo havia sido esmagado e estava de cabeça para baixo, como uma barata, com a dianteira prensada contra a proteção lateral da ponte. Ela percebeu, pela trilha de vidro e metal, que o carro havia capotado pelo menos duas vezes. Lucy se ajoelhou no chão e olhou por uma das janelas quebradas. Não vinha nenhum som do interior do veículo. Nada de respiração ou gemidos. Havia sangue escorrendo pelas rachaduras no metal. Com movimentos rápidos, ela encaixou um macaco hidráulico no espaço estreito entre o capo e a porta. Com um ligeiro movimento do polegar, a ferramenta começou a funcionar. A estrutura do carro rangeu quando a máquina separou as partes metálicas, abrindo uma pequena fenda por onde ela poderia rastejar. Lucy colocou a cabeça para dentro dos destroços e viu duas garotas, de cabeça para baixo, inconscientes, presas pelo cinto de segurança. 

Seus braços estavam enrascados uma ao redor do corpo da outra, em um abraço ensanguentado. Nenhum sinal da Sra. Pung.

— Duas pessoas com traumatismo presas na frente — ela gritou para a sua parceira, Keana. — Um cachorro no banco de trás. Vamos escavar e correr. Prioridade um.

Ela se esgueirou para fora dos destroços e forçou o cortador de metal por entre as dobradiças da porta. Outro movimento do seu polegar e as lâminas fizeram dois poderosos cortes. Lucy tirou a porta do veículo e jogou-a no meio da rua.

— Me traga dois colares cervicais — ela gritou. — E dois apoios para as costas. — Ela se arrastou de volta para dentro do carro. — Consegue me ouvir? — ela disse para a garota menor. — Fale comigo.

Nenhuma resposta. Nenhum movimento. O rosto e o pescoço da garota estavam encharcados de sangue, e os olhos e os lábios estavam inchados. Era outra regra do resgate: se uma criança estiver em silêncio, é hora de ficar com medo.

Lucy colocou uma proteção ao redor do pescoço da garota, amarrou um dos apoios para as costas, e cortou o cinto de segurança com a sua faca. Ela segurou o corpo da paciente gentilmente e o puxou para o asfalto. Ela era leve, por volta de 35 quilos e, incrivelmente, ainda usava uma luva de beisebol da Rawlings em uma das mãos.

— Ela está com as pupilas dilatadas — disse Keana, verificando com a sua lanterna. — Está lívida. Sangrando pelas orelhas — sinais ruins, todos eles. Hora de pegar a outra vítima.

Lucy voltou para dentro do carro, a adolescente estava prensada abaixo da barra de direção. Lucy colocou outro macaco hidráulico no espaço para as pernas do motorista e acionou o aparelho. Conforme o metal era separado, ela conseguiu enxergar uma fratura exposta do fêmur, e sentiu o terrível cheiro da mistura de fluido de radiador e sangue. Rapidamente, colocou o colar na garota e amarrou a proteção para as costas no lugar. Logo, puxou a paciente para fora e, com cuidado, a colocou no chão.

— Consegue me ouvir? — ela disse. Nenhuma palavra. — Aperte a minha mão se conseguir me ouvir — Nada. As duas jovens vítimas agora jaziam lado a lado sobre macas. Não havia esperança para o cãozinho no banco de trás, esmagado entre o eixo traseiro e o porta-malas. Que lástima.

"São Francisco", ela sussurrou, "abençoe esta criatura com a sua graça."

Lucy olhou para o relógio. Era a hora dourada: menos de 60 minutos para salvar a vida delas. Se ela conseguisse estabilizá-las e levá-las para os cirurgiões especializados em trauma, elas teriam uma chance de sobreviver. Ela e sua parceira levantaram a primeira garota para a ambulância. Depois, a segunda. Keana correu para o assento do motorista. Lucy subiu na traseira e se inclinou para fechar as portas. No horizonte, ela viu a lua cheia.

Ela tinha certeza de que Deus a tinha posto ali, como uma lembrança do nosso pequeno lugar neste mundo. Uma lembrança de que o que é belo é efêmero.

A ambulância arrancou, e a sirene gritou. Ela fechou as portas. Por um instante, seus dedos acharam o antigo e desgastado medalhão ao redor do seu pescoço. Era de São Judas Tadeu, padroeiro das causas desesperadas.

Mostre-me o caminho...

Ela colocou seu estetoscópio no peito da garota mais nova. Ela escutou e percebeu a verdade simples:

Era a hora de um milagre.



Oi de novo <3

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