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ÔIA QUEM VOLTOU



Aquele era o ritual das duas há 13 anos.

E o segredo delas também.

Toda noite elas se encontravam para jogar.

Thwack.

Sofi aparou a bola na luva e a arremessou de volta — uma bola rápida de dois dedos.

Tudo começou havia muito tempo, na noite do enterro de Sofi, após a mãe delas e os outros que estavam ali terem ido embora.

Quando o sol se pôs, Camila havia ficado sozinha ao lado da sepultura. E então, de uma maneira impossível, Sofia havia aparecido, saído de trás das árvores, seu corpo com as marcas do acidente, ainda segurando sua luva e a bola. Oscar estava com ela também.

— E agora, mana? — dissera ela. — Vamos lá, vamos jogar beisebol.

O momento havia deixado Camila tão perturbada — tão inconsolável —, que os médicos haviam lhe dado remédios muito fortes para afastar as visões. No início, os especialistas disseram que ela estava tendo sonhos, e depois que eram alucinações.

O diagnóstico: síndrome de estresse pós-traumático.

Eles a mandaram a um psiquiatra. Deram-lhe Xanax para a ansiedade, Prozac para a depressão e Halcion para ajudá-la a dormir. Eles nunca acreditaram que ela era capaz de ver sua irmã. Mas ela conseguia enxergar, e não eram ilusões nem alucinações.

Ela havia morrido, e tinha sido trazida de volta à vida.

Ela havia cruzado uma barreira, e havia voltado.

Ela tinha feito uma promessa para Sofia e recebeu o poder de cumpri-la.

Alguns meses depois, quando outro adulto se recusou a acreditar naquilo que ela conseguia enxergar, Camila fingiu que estava tudo acabado. Ela afirmou que não via mais as aparições. E os médicos declararam que ela estava curada e que poderia parar de tomar as medicações.

Camila jurou que nunca contaria a ninguém sobre Sofi.

Simplesmente a chamariam de louca. Nunca seriam capazes de entendê-la. Seria o seu segredo para sempre. Um segredo que ela esconderia por baixo de uma carapaça de charme, cuidadosamente construída. Daquele dia em diante, Camila e Sofi jogavam beisebol todas as noites, sem falta. O seu jogo ao anoitecer, Camila acreditava, era a chave para o seu dom, e ela temia que, se perdesse uma única noite, desapareceria para sempre. Assim, ela estudava com cuidado os ângulos do sol. Ela imprimia tabelas do serviço de meteorologia e monitorava as diferenças entre o crepúsculo civil, o náutico e o astronômico. Desde que lançasse a bola todas as noites, conseguiria ver Sofi, e Sofi conseguiria vê-la.

Seu tempo juntas estava confinado à área do Waterside, e Camila rapidamente percebeu que seu dom não se estendia além dos muros ou portões. Assim, pelas manhãs, elas brincavam nas docas, antes que qualquer pessoa passasse por lá e, à noite, ficavam juntas em casa assistindo à ESPN ou a filmes de James Bond. Era assim que acontecia há 13 anos — mais de 4.700 noites —, e Camila sabia que não havia motivos para arriscar.

Com o passar do tempo, Camila percebeu que seu dom havia se intensificado, pois ela começou a notar outros espíritos passando pelo cemitério a caminho da próxima vida. Eles vinham de todas as maneiras e por todas as razões possíveis — um pescador de lagostas excêntrico que havia se afogado durante uma tempestade, uma cabeleireira em farrapos que havia escorregado nos restos de cabelo que havia no piso do seu salão e quebrado o pescoço —, mas todos tinham o mesmo traço característico: eles brilhavam com uma aura de calor e luz. Ajudar estas almas reluzentes com a sua transição, ela pensava, era o seu objetivo e a sua punição.

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