OLHA QUEM SURGIU
Era meia-noite em Waterside, e uma grossa neblina se espalhava por entre os monumentos. A lua estava invisível por trás das nuvens, grandes muralhas de trevas por todos os lados, e Camila levava Lauren pelos gramados.
Tudo estava quieto, e até mesmo o barulho das suas pegadas era abafado pelo breu. Anjos de mármore e sílfides de granito apareciam e desapareciam conforme a sua lanterna cortava a escuridão. Era a hora das bruxas, e Camila estava enfeitiçada. Tudo o que ela descobriu sobre Lauren a deixara um pouco desconfortável — da melhor maneira possível. Claro, seu nervosismo havia feito com que ela falasse por muito tempo sobre as origens do sobrenome. Sim, ela havia tagarelado sobre as diferenças entre os acúmulos de cirros e estratos. E mesmo assim ela percebia que ela estava se divertindo. Ela bebia as cervejas e ria de suas piadas.
Desde o momento em que ela havia descido pela West Shore Drive, exatamente às 20 h, ela tentou memorizar cada detalhe da noite. O cabelo dela estava solto e, quando ela lhe deu a mão estendida para cumprimentá-la, Lauren simplesmente a ignorou e a beijou no rosto.
― O jantar está pronto? Estou morrendo de fome.
E estava mesmo. Ela havia devorado duas porções de tudo o que ela lhe serviu, e não economizou nos elogios à comida. Ela adorava ver o jeito com que ela parecia devorar a própria vida, saboreando cada pedaço. Camila lhe contou histórias reais, não aquelas requentadas que geralmente surgem nos encontros. Hoje ela havia dispensado a versão que geralmente projeta para o mundo: a jovem contente com seu trabalho no cemitério, a mulher feliz e despreocupada que não queria sair de Marblehead.
Lauren conseguiu encontrar a verdadeira Camila, aquela que tinha sonhos de se libertar de tudo e de todos que a mantinham ali. Ela até mesmo queria contar—lhe sobre seus mapas na parede, as tabelas com os horários do pôr do sol, e como aqueles círculos concêntricos governavam a sua vida. Os anéis nos mapas mostravam o âmbito de seu mundo, demarcavam exatamente o quanto ela poderia se afastar do Waterside e ainda voltar para se encontrar com Sofia.
Uma viagem para Cabo Cod. Um passeio até New Hampshire. O maior dos círculos era o limite máximo aonde poderia chegar. Além daquela linha, ela não teria chance de voltar para casa a tempo.
A promessa seria quebrada e a sua irmã desapareceria.
Poderia ser perigoso compartilhar isso tudo com Lauren, mas agora, em meio à escuridão da noite, ela se sentia mais segura e preparada para revelar—lhe um pouco mais sobre si.
― Primeiro você me deixa bêbada, e depois me coloca para fazer uma marcha forçada — ela dizia enquanto elas subiam por uma elevação. — Aonde estamos indo?
― Pode confiar em mim, vai ser especial.
Elas caminharam, e a lua finalmente apareceu por detrás das nuvens, gentilmente tocando as lápides em todas as direções.
― Nós costumávamos entrar aqui o tempo todo quando éramos crianças — disse Lauren. — Meu primeiro beijo foi atrás daquele obelisco ali adiante.
― Quem foi o sortudo?
― Tad Baylor. Acho que ele estava na sua sala.
― Tad, a mosca humana? ― Tad havia se metido em uma encrenca com a lei no penúltimo ano, quando fora apanhado roubando as provas finais da sala onde ficava a fotocopiadora da escola, depois de escalar a parede do prédio da administração e subir até uma janela no quarto andar. ― Você tem um ótimo gosto.
― Eu tinha 14 anos — ela disse — e ele beijava muito bem.
Elas continuaram atravessando os gramados. Uma coruja piou no alto das árvores. O ar estava frio, e Camila abotoou o seu casaco de lã.
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Butterfly
Fanfiction― Confie em seu coração se os mares explodirem em chamas... ―...e viva pelo amor ― Lauren continuou -, mesmo que as estrelas se movam para atrás.