Às vezes acho que te odeio, e depois, quando te vejo, eu... -- Cidade das Cinzas.Tentei abrir os olhos, mas o sono era demais. Virei para o outro lado da cama e voltei a dormir. Acordei com Miguel me chamando.
-- Vovó tá chamando. -- ele disse, me deu um beijo e saiu correndo.
Comecei a rir. Levantei-me e fui ao banheiro tomar um banho demorado. Voltei ao quarto e escolhi uma das roupas que Karoline me deu: um vestido verde florido que ia até os joelhos. Senti-me como uma menina de quinze anos. Acho que vou usar esse vestido mais vezes! Fiquei me olhando mais um pouco até me sentir preparada para o dia com a família.
Fui até a sala e não havia ninguém. Ouvi vozes lá fora e as segui. Já havia chegado muita gente para o almoço: minha tia, alguns amigos íntimos da família e minhas primas. Todos estavam reunidos conversando e alguns riam de Miguel correndo de um lado para o outro.
Me aproximei da minha mãe, e ela sorriu como se aprovasse meu estilo de vestir.
-- As pessoas chegaram cedo. -- pronunciei baixinho para que só ela escutasse.
-- Não, você que acordou muito tarde. Já são dez e meia.
Caramba! Ontem à noite me diverti mais do que imaginei, mas bebi pouco. Não gosto muito de bebida. Karoline estava bêbada e tive que carregá-la até o carro dela. E ainda tive que dirigir. Ela não se lembrava nem do próprio nome. Deixei-a em casa e voltei de táxi. E não foi nada fácil achar um táxi de madrugada.
-- Prima, que saudades! -- disse minha prima Laila, que devia ter uns vinte e três anos.
Depois, Brenda e Iara também me abraçaram e disseram que estavam com saudades. Nunca fui muito próxima de minhas primas. Elas eram as perfeitas da família e eu, a diferente. Elas não aprovavam nada do que eu fazia e sempre me criticavam por tudo. Com o tempo, fui tomando raiva dessas críticas e me afastei. Se elas descobrissem sobre meu filho, seria mais um motivo para uma avalanche de críticas. Olhei para minha mãe e me senti segura. Sabia que ela não me deixaria enfrentar nada sozinha.
E hoje, lá estava eu, com toda a família de minha mãe reunida. Ainda bem que a família de meu pai era toda de Minas Gerais; se houvesse mais alguém da família ali, acho que não suportaria.
Tentei conversar mais um pouco com minhas primas, mas logo me afastei e fui conversar com Antônio, um amigo antigo da família. Ele não parava de falar sobre seus gatos; devia ter uns cem. Olhei para minha mãe e vi Alisson ao lado dela. Me aproximei deles e, como no avião, me joguei nos braços de Alisson. Ele retribuiu meu abraço com muito carinho. Todos observavam com olhares de reprovação. Alisson era muito bonito, mas não me importei com os olhares até ouvir alguém me chamando.
-- Oi, Mari -- era Ian. Meu coração acelerou. E como! Pensei que ia sair pela boca. Vi que ele estava me olhando com um olhar sombrio e percebi que ainda estava nos braços de Alisson. Me afastei rapidamente, um pouco sem graça.
-- Precisamos conversar. -- Ian disse, passando as mãos no cabelo.
Olhei para minha mãe e ela apenas balançou a cabeça, como se dissesse que eu deveria ir. Argh. Olhei para Alisson, que apenas piscou e se afastou.
Olhei discretamente e avistei Miguel. Ian não percebeu. E onde Miguel estava era difícil de vê-lo. Ainda bem, já que teríamos que conversar seria melhor eu contar primeiro.
-- Tá bom. Pode dizer. -- disse olhando para Ian.
-- Aqui não, Mari -- em seus olhos vi tanto desespero e dor que me comoveu.
Lembrei de antes, de como éramos inseparáveis, sempre sabíamos o que o outro precisava só pelo olhar.
Que droga, ainda me importava com ele. Não poderia e nem deveria sentir nada por ele. Mas sentia. E isso só complicaria minha vida.
-- Tá bom. Só vou pegar minha bolsa.
Quando fui para fora, ele estava me esperando ao lado de uma BMW Z4. Não tinha percebido o quanto ele estava lindo com uma blusa azul e uma calça jeans preta. E usava um relógio. Sempre amei relógios; tinha vários guardados. Alguns ganhei da família e amigos e outros comprei. Ele sabia que eu gostava e tinha quase certeza de que estava usando apenas para me agradar. Que fofo.
Marina, pare com isso. Não crie falsas esperanças.
Essa era minha voz da razão e resolvi ouvi-la.
-- Entre. -- ele disse, entrando no carro. Logo em seguida, entrei também.
Seguimos em silêncio. Fiquei feliz em ver que ele tinha conseguido uma boa condição financeira. Mas, como eu o conhecia, sabia que todo esse sucesso vinha de horas e horas de estudo e trabalho. Olhei para ele dirigindo; estava tão concentrado e eu não tentei puxar assunto.
Não demorou muito e ele parou em frente a uma bela casa, provavelmente um sonho para muitas pessoas. Ele apertou um botão no controle e o portão abriu. Achei lindo o jardim da casa. Já disse que amo flores! Desci do carro sem nem pedir. Fiquei apenas olhando as flores, sentindo a diversidade dos aromas. Ah, como flores me faziam bem.
-- Vamos entrar. -- ele disse, sorrindo.
Virei para Ian, meio assustada com sua voz grossa e melodiosa. Tinha me esquecido de sua presença por causa das flores.
Ele abriu a porta da frente e o segui. Passamos pela sala; amei a televisão, era enorme.
Passamos pela cozinha e ele abriu outra porta. Se o jardim da frente era lindo, o do fundo era ainda mais encantador. Acho que a palavra fascinante combinava melhor.
-- Sente-se. -- ele disse.
Nem percebi que havia uma mesa enorme com várias cadeiras.
Sentei-me em frente a Ian. Lembrei de Miguel sorrindo para mim e de meus amigos em São Paulo e senti saudades. Resolvi contar antes que perdesse a coragem.
-- Ian, tenho um filho com você. -- fui curta e direta. E como foi bom compartilhar esse segredo. Bom, agora já estava deixando de ser segredo.
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Além do amor
Любовные романыO que você faria pelos homens da sua vida? Marina foi para São Paulo em busca de uma vida melhor. Só que levou junto um grande segredo. E após alguns anos resolve voltar para sua cidade natal e enfrentar seu passado. Só não imagina que o amor que ta...