XXI

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Já se passou um mês. O tempo voou, e minha vida está uma bagunça. Miguel pergunta pelo pai todos os dias, e meu coração se aperta cada vez mais.

— Mamãe, não quero mais morar na nossa casa, quero ir para a casa do papai — diz Miguel, melancólico.

Eu queria ter ficado, mas decidi ir embora de última hora. Precisava refletir sobre o que realmente quero. Mesmo depois de um mês, ainda me sinto muito confusa. Ian me liga quase todos os dias, mas eu nunca atendo; tenho medo de ceder.

Meus amigos estão todos viajando, então não tenho ninguém para conversar e me dar conselhos. Está tudo muito complicado. Às vezes me arrependo de ter fugido tão de repente de Ian; estávamos tão bem. Mas ele é forte e vai superar.

Lembro-me de quando fui embora, no meio da noite. Ian estava agarrado ao meu corpo, como se já soubesse que a qualquer momento eu o deixaria, e isso só piorava a situação. Queria que tudo fosse mais fácil.

Lembro dos tempos de criança, quando minha única preocupação era brincar. Mas a vida adora nos dar lições e desafios.

Mesmo estando longe de Ian, essa distância me fez bem. Agora tenho convicção de que é ele quem eu quero para sempre. Quero voltar, mas acho melhor esperar mais um pouco, porque desta vez será definitivo.

Quero que, desta vez, façamos as coisas do jeito certo, conforme o que agrada a Deus, sem pecados, sem mentiras, sem trapaças. Tenho lido a Bíblia todos os dias desde que voltei; não sei por quê, mas meu coração só se acalma assim. Preciso me aproximar mais de Deus.

Em um relacionamento, não podemos idolatrar o outro. Já fiz isso uma vez com o Ian. Ele era tudo para mim, minha prioridade, e acho que foi por isso que sofri tanto. A Bíblia ensina que devemos amar a Deus em primeiro lugar, mas eu troquei tudo. Não posso cometer o mesmo erro novamente. Quero construir uma família forte, e uma construção sólida não é feita sobre areia, que o vento pode levar. Desta vez, quero ter a sabedoria para construir algo sólido, inabalável e duradouro, o que só conseguirei por meio de Jesus. Quero que Miguel tenha irmãos que cresçam conhecendo os caminhos de Deus. Às vezes penso em quantas coisas poderiam ter sido diferentes na minha vida se eu tivesse firmado minha fé em Jesus, mas resolvi seguir outros caminhos.

Enquanto houver vida, há esperança. Podemos recomeçar quantas vezes for preciso. Com Deus, sei que sou forte, porque sozinha não passo de pó.

Fico pensando: será que Ian será um bom marido daqui a dez anos? Um bom pai? O amor é uma escolha, e desde o início eu escolhi amá-lo, mas coloquei ele acima de Deus. Desta vez não será assim. Primeiro Deus em tudo na minha vida. Quero estar firmada na rocha que me sustenta, que me dá o fôlego de vida.

Percebo que Miguel está me olhando, e eu ainda não respondi.

— Sim, filho, nós iremos morar com o papai — digo, acariciando seus cabelos.

Por que esperar mais se eu já tenho certeza? Acho que já está na hora. Preciso agir; Ian deve estar bem angustiado. Eu estaria assim sem o meu filho.

Olho para o meu pequeno lar. É hora de me despedir de tudo isso e começar uma nova jornada. Confesso que estou com um pouco de medo, mas aprendi a seguir em frente com medo em muitas situações da minha vida, e agora não será diferente.

Levanto-me decidida a arrumar tudo. Faço algumas ligações para deixar tudo acertado para nossa mudança. Não tenho muita coisa aqui em São Paulo, nada que faria falta. Junto algumas coisas e separo outras para doar. Meu celular toca, e eu atendo no primeiro toque.

— Sinto falta de vocês — diz Ian. Sinto a tristeza em sua voz. — Não quero te pressionar, mas meu coração está muito angustiado. Tenho tentado, mas não consigo. Me diz o que você quer que eu faça, e eu farei.

Enquanto ele fala, tento imaginar como ele está agora: com o olhar triste, cabelo bagunçado, e provavelmente sem comer direito desde que partimos. Meu coração se aperta, e sinto uma vontade enorme de abraçá-lo e dizer que tudo vai ficar bem.

Ainda não sei o que responder. Já tenho certeza do que quero, mas será que é a hora certa de falar? Acho que sim; ele é o pai do meu filho e meu futuro marido.

— Eu estive pensando — continua Ian — Precisamos fazer as coisas do jeito certo desta vez, casar diante dos homens e de Deus. Quero que todos saibam que somos uma família, que eu serei o protetor e provedor de vocês. Sei que será uma jornada onde terei muito a aprender, e estou disposto a fazer tudo por nós.

— Eu concordo, também tenho pensado sobre isso — respondo, sem saber muito o que dizer.

— Mari? — pergunta Ian baixinho, quase não o ouço.

— Sim, estou aqui — respondo cautelosa.

— Eu te amo — Ele diz um pouco mais alto, e sinto a sinceridade e o desespero em sua voz.

— Eu também te amo — digo, sem saber mais o que falar. Ouço seu sorriso do outro lado da linha.

Às vezes não percebemos quantas riquezas temos; estamos sempre em busca de mais e atropelando o presente. E, nesse momento, percebo como somos ricos por Deus nos permitir ter um ao outro e nosso Miguel. Erramos muito na jornada, e Deus nos deu a oportunidade de recomeçar.

Depois, Ian pede para falar com Miguel, e eles ficam quase uma hora conversando. Meu filho, todo feliz, e me arrependo de não ter contado antes para Ian. Fiz o que achei melhor com a maturidade que tinha, e está tudo bem por isso. Não vou cometer esse erro novamente. Nossos erros muitas vezes não trazem consequências apenas para nós, mas também para quem está ao nosso redor. Miguel se despede do pai, pega o trator e continua feliz em seu mundinho. Quem dera ele pudesse ser uma criança para sempre!

Ouço um barulho na porta. Vou abrir e vejo um buquê enorme com grandes rosas. Que lindas! Olho para o entregador, na dúvida, e ele começa a rir, dizendo que é para Marina. Aproximo-me mais, olho as rosas e realmente vejo meu nome em uma carta. Pego as flores e agradeço.

Miguel vem ao meu encontro todo saltitante. Vejo aprovação em seu olhar e algo mais, que parece ser orgulho. Começo a sorrir, vendo todos os sentimentos estampados em seu rosto.

— Foi o papai — ele diz, orgulhoso.

— E como você sabe? — pergunto, sorrindo.

— Ele me contou e pediu para guardar segredo — ele responde, todo sapeca, igual ao pai.

— Então agora vocês dois têm segredos? — pergunto, fingindo estar séria.

— Sim, coisa de homem. Papai disse que tem uma carta importante — ele responde, sorrindo, me olhando como se já soubesse o que está na carta.

Peguei a carta, analisei, era bem pequena e discreta. Olhei para Miguel, que estava todo sorridente. Comecei a gargalhar; como ele era lindo e como estava crescendo tão rápido, meu garotinho. Abri a carta, e o que vi me deixou sem fôlego.

"Quer se casar comigo?"

Olhei de novo para Miguel, e ele começou a pular de alegria, dizendo que o pai era o melhor homem do mundo. Comecei a sorrir em meio às lágrimas. Sei que não existe um final feliz para sempre aqui neste mundo, mas que bom, porque isso nos faz crescer. E eu queria muito crescer ao lado dos homens que tanto amo!

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