Capítulo IV

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"Tudo muda na minha vida, mas o mundo continua o mesmo" - Cidade das Cinzas

A casa dos meus pais permanecia a mesma. Dois quartos, um com suíte. Dois banheiros. Uma cozinha, sala e uma garagem grande, perfeita para reuniões familiares.
A casa era pequena, porém muito aconchegante. Sabe aquelas casas em que você chega e se sente confortável imediatamente? Assim era a minha casa, ou melhor, a casa dos meus pais.

Pensei que meus pais ficariam bravos com o que contei. Mas não, eles apenas ficaram chateados por não terem podido ajudar e se culparam pelo que aconteceu.

Minha mãe chorou bastante. Parei algumas vezes durante meu relato, mas ela insistia para que eu continuasse.

Quando terminei, minha mãe já soluçava. Em outra situação, isso seria até engraçado. Me aproximei dela e a abracei. Não que eu fosse muito carinhosa, mas eu me esforçava.

Sempre fui muito reservada com as pessoas. Nada de contato físico. Meus amigos sempre ficavam sem jeito quando tinham que me abraçar. Eles tentavam, mas quando se aproximavam, era como se minha testa tivesse escrito "não toque, ou morra". Algumas vezes, tentei ser mais descontraída, mas não funcionava. Então parei de tentar, eu era assim e pronto. Nada de demonstrações de afeto.

Mas quando Miguel veio, muitas coisas mudaram. A maternidade me mudou, tornei-me mais emotiva e carinhosa.

Me afastei da minha mãe quando ela parou de soluçar e percebi que seus olhos estavam arregalados, com um sorriso lindo.

-- O que foi, mãe?

Ela ainda sorria. Droga, sentia que não ia gostar do que ela iria dizer, mesmo com aquele sorriso lindo no rosto.

Meu pai observava tudo sem entender.

-- Querida, você me abraçou sem eu pedir -- ela não parava de sorrir. Caramba, precisava abraçá-la mais.

-- Mãe, é só um maldito abraço -- falei. Ela já estava me irritando.

-- Mamãe, quando vou ver meu pai? -- agora Miguel olhava para mim sorrindo.

Não gostava quando ele me pedia algo sorrindo. Era difícil resistir.

Olhei para minha mãe em busca de ajuda. Sabia que Ian, como pai, deveria saber sobre Miguel, mesmo sendo difícil admitir. Esse era o principal objetivo da minha viagem. Só que eu não estava preparada para isso. Queria que Amanda estivesse aqui.

-- Logo você verá seu pai, Miguel -- levantei-me e fui tomar água. Precisava pensar.

Ian. Apenas o nome dele já me deixava com as pernas bambas. Isso era ruim. Não era mais uma adolescente. Eu era uma mulher. Uma mãe.
Tomei água e coloquei o copo na pia. Senti alguém se aproximando, virei-me e era minha mãe.

-- Quanto mais rápido enfrentarmos isso, melhor será. Pare de carregar esse peso, está te fazendo mal. -- minha mãe falou com preocupação em seu olhar.

-- Mamãe, eu não quero ter que dividir meu filho. Isso é muito difícil para mim. -- eu não queria chorar.

-- Não é ruim. Será bom para todos. Miguel terá um pai. Mesmo você sendo uma mãe maravilhosa, ainda não é suficiente. Não cansa esse direito dele. -- minha mãe segurou minhas mãos com firmeza.

-- Eu sei o que é certo, mas acontece que não quero. Mas vou fazer. Tenho que fazer, eu sei. Mas às vezes acho que não vou conseguir -- falei baixinho, exausta.

-- O Ian ainda é um ótimo rapaz. Foi um erro o que ele fez. Fiquei com raiva dele, mas o perdoei. Ele se arrependeu. Foi eu que o vi aqui em casa falando por horas e horas sobre você, dizendo o quanto te amava. Ele merece pelo menos a sua amizade. E, como palpite de mãe, acredite que ele ainda te ama.

-- Você acha, mamãe? -- isso me assustou. Ele me amava. Isso era bom? Claro, eu também o amava.

Pensando bem, não era tão bom assim. Já tinha passado muito tempo. Não seria mais a mesma coisa. Ele me machucou.

-- Depois que você partiu, ele não parou de se envolver com nenhuma mulher. Teve alguns relacionamentos, mas só duraram uns três meses. Eram mulheres lindas, que fizeram tudo por ele.

-- Isso não quer dizer que ele me ama -- falei pensativa.

-- Meu amor, você sabe que Ian é como um filho para mim. Aprendi a amar aquele rapaz. Ele também tem muito carinho por mim. Conversamos bastante, e quando digo que ele te ama, acredite em mim. -- Agora ela estava sorrindo.

-- Você também o ama. -- ela me fitava. Não gostava quando ela me olhava assim. Com esse olhar era como se ela conseguisse ler minha alma, e eu não gostava de ser vulnerável. Mas já estava cansada de tentar ser forte. Era muita coisa para se carregar sozinha. Tinha que dividir um pouco.

-- Mãe, esse é o meu medo. Você e o Ian me conhecem melhor do que ninguém, e eu odeio isso. Não consigo esconder nada de vocês. E não quero que ele saiba que também o amo. Quero que ele veja uma mulher forte que não precisa dele. Uma mulher que mudou e amadureceu. E eu não quero sofrer de novo, quero apenas ter uma vida feliz. E Miguel já é o suficiente. -- levantei as mãos exasperada. Foi bom ter falado. Senti um pouco do peso nas minhas costas se esvair.

-- Querida, ficaria muito feliz se vocês voltassem a ser como eram antes. Mas não tem como, e, de qualquer forma, a escolha é sua. Só quero que saiba que estarei ao seu lado. Sou sua mãe, é isso que fazemos. Apoiamos nossos filhos mesmo quando fazem escolhas erradas. -- minha mãe se aproximou e me abraçou.

Sabe aquele momento em que você só precisa de um abraço? Então, esse era o momento. Comecei a chorar igual a uma criança. Por tudo. Pelo meu passado. Por Ian, pela dor que passei. Por ter ficado tão longe da minha família. Chorei por ainda amar aquele homem que me fez tão feliz e também me fez sofrer. Comecei a soluçar. Tentei parar o choro, mas estava difícil.

-- Meu amor, você merece ser feliz. Se o ama, e ele também a ama, o que custa tentarem? Você sabe o quão bom é crescer com um pai e uma mãe que se amam. Deixe um pouco o medo de lado. O Ian também mudou e garanto que ele não irá fazer você sofrer. Tente ser pelo menos amigos. Pelo Miguel. Mas, enfim, como te falei, a escolha é sua. Dê uma chance para a vida e não se arrependerá.

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