A porta era lateral, raramente usada e, quando era, só criados que entravam mesmo por aí. Por isso, assim que coloquei os pés dentro do salão, não tive tanta certeza de onde estava. Ela ficava em um canto escuro, ainda mais escuro do que todo o resto, e eu precisei de um minuto ali para sentir que meus olhos começavam a se acostumar.
Quando finalmente pude distinguir o que tinha à minha volta, a primeira coisa que fiz foi procurar o cara do corredor. Ainda tinha uma pequena esperança de o ver fazendo algo que denunciasse sua identidade e poder usar isso contra ele depois. A sensação de estar quase em um jogo com ele estava demorando para desaparecer.
Mas, vestidos como ele, havia milhares de outros caras. E todos eles carregavam bandejas e serviam os convidados. Até tentei procurar um que ainda não tivesse começado seu turno, concluindo finalmente que ele trabalhava no castelo, mas não encontrei. E então me distraí com outras coisas.
De todos os bailes que nós dávamos durante o ano inteiro, aquele era um dos meus favoritos. Não que eu conseguisse aproveitar muito, não conseguiria aproveitar nenhum. Meu favoritismo sempre foi por causa do final, mas agora estava começando a ser por causa da decoração. Saindo do canto escuro aonde estava, sem que qualquer pessoa ali tivesse me percebido, pude notar cada detalhe.
A ideia do baile de máscara era uma tradição bem antiga ashlandesa, e nós fazíamos questão de manter a decoração com cara de antigo. Esse castelo, apesar de ser só de verão, tinha quase trezentos anos de idade e não deixava a desejar. As paredes eram decoradas com cortinas pesadas, o salão era iluminado com lustres enormes na sua potência mínima, mas recompensados com velas para todos os lados. O clima escuro era proposital e, ainda que houvesse espelhos antigos espalhados em cada canto, refletindo a luz das velas, o balanço das chamas dava a impressão de estarmos em um mundo fantasioso.
Não era assim quando eu entrava. Eu costumava aparecer só à meia-noite, quando todos tiravam as máscaras, os lustres se acendiam completamente e a festa praticamente ia inteira para o jardim. Nunca tinha visto como era fácil se perder ali no meio, como nem precisaríamos das máscaras para nos esconder, de tão surreal que tudo parecia. Tinha dado só alguns passos para longe da porta e, quando olhei para a minha mão, mal conseguia a distinguir do chão.
Como iria conseguir encontrar Clarissa assim?
O brilho das velas se refletindo nos espelhos envelhecidos me fazia quase chegar a lacrimejar, sempre visível no canto do olho como glitter. E, mesmo que achasse que meus olhos tinham chegado ao limite de se acostumarem com o ambiente, ainda me sentia insegura de só sair andando. Não sabia como as pessoas à minha volta estavam tão livres, andando de um lado para o outro. As que dançavam, eu entendia. Devia ser bem mais fácil mesmo se soltar quando a festa era tão escura e anônima assim. Mas elas não tinham medo de cair?
Duas garotas passaram por mim, falando de alguma coisa e rindo alto o suficiente para ganhar da música que tocava, quando bateram no meu ombro e me forçaram a cambalear para trás. Se já me sentia perdida antes só pela iluminação da festa, elas tinham conseguido me deixar desnorteada. Fui inundada na hora por uma onda de constrangimento e raiva. Quis brigar com elas, mas, depois de esfregar meu ombro onde tinham batido, fui me forçando a respirar fundo e superar meu orgulho ferido. Isso nunca aconteceria se elas soubessem que eu era de verdade, mas não tinha sido exatamente por isso que eu tinha colocado uma máscara comum? Para me sentir como qualquer outra pessoa na festa? Aquela trombada não era sinal de falta de respeito, só distração. Eu precisava superar.
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A Herdeira do Trono
RomanceE se você tivesse que cruzar seu país para uma última chance de se tornar quem sempre foi? Depois de uma vida inteira se preparando para seguir os passos de sua mãe e ser a melhor rainha que Ashland já teve, o futuro da Princesa Lola...