Eu nunca perguntei o porquê do céu ser azul ou da grama ser verde. Acho que isso nunca nem passou pela minha cabeça.
Minha infância não foi uma das melhores, não tive o pai que pedi a Deus mas também não estava preparada para perdê-lo, apesar dele nunca ter sido realmente meu. De qualquer forma, as dificuldades e os medos que hoje possuo são resultados dos flashs de memória que ainda aparecem nos meus sonhos, não deveríamos lembrar bem de quando tínhamos 4 anos, pelo menos não das coisas ruins.
Muitos não entendem a minha facilidade de falar com as pessoas, mas acho que quando você é carente ou já foi carente de um carinho, da atenção de alguém especial, principalmente de um dos seus pais, você tem a necessidade de preencher aquele espaço, mesmo sabendo que não vai conseguir. E de fato, não conseguimos, eu não consegui. Porém, isso não te impede de tentar dar isso a alguém, sem esperar algo em troca, sem esperar um destaque ou algo mais, só porque ajudou alguém. Não se trata disso
Meu sonho é morar em um lugar onde ninguém saiba meu nome, porque você conviver com aqueles olhares de eu sei o que você fez no verão passado, é horrível, mas a gente sobrevive. No meu caso é aquele olhar de pena, de passado. As pessoas não olham para mim e vêem uma adolescente que já concluiu o ensino médio, sem namoradinhos, que quer ser professora de Português, elas vêem aquela garotinha de 4 anos se escondendo nos braços da mãe, saindo do meio da noite com medo de quem deveria protegê-la. Elas não entendem que quanto mais batermos nessa tecla, quanto mais falamos sobre as mesmas coisas, mais a superação fica difícil de ser alcançada. E hoje, eu posso dizer que superei isso. O que não quer dizer que esqueci. Esquecer é uma palavra muito forte e uma ação muito difícil de ser concluída, acho que ela estará sempre no gerúndio na minha vida. Esqueceu? Não, mas estou esquecendo. Sem neurose com isso de apagar de vez as coisas da nossa história, porque primeiro e último, isso não vai acontecer.
Até porque tentar esquecer já é lembrar, né?
...
— O senhor já tomou seu remédio? — perguntei enquanto me aprontava para escola.
Ele me olhou com aqueles olhos azuis e sorriu ao confirmar com a cabeça. Minha mãe ainda tomava o café da manhã quando saímos de casa.
— Hoje vamos a pé, quero caminhar um pouco.
Confesso que não gostei muito da ideia, mas preferi não reclamar. Ele levou minha mochila nas costas e segurou minha mão, apertou levemente e começamos a andar. Minha escola ficava pertinho, ele não falou muito, pelo menos não que eu lembre.
O abracei forte e isso o fez sorrir.
— Até mais. Vem me buscar de carro.
E corri para minha sala.
~
— Oxe, mais ainda nem teve recreio - disse para uma colega.
Era uma amiga da família, tinha vindo me buscar. Mas por que tão cedo? Fiquei me perguntando enquanto levantava e ia ao seu encontro.
—E ta na hora, Julie?- perguntei sem papas na língua.
Ela me olhou com um jeito tão afetuoso que foi como se tivesse me pegado no colo.
—Já menina! Arruma logo suas coisas, sua irmã já está la embaixo.
Eu sorri e arrumei minhas coisas, peguei o desenho que ainda nem tinha terminado, para mostrar ao meu padrasto. Fiquei me perguntando se ele gostaria e me apressei ainda mais. Como eu queria chegar em casa.
Desci as escadas tagarelando, segurando forte a mão da Julie. Cruzamos o portão e eu ainda falava, até que vi minha irmã. Ela se abaixou e me abraçou forte. Lembro que achei aquilo um pouco demais, mas também não disse nada sobre. Fiquei segurando o desenho até chegar em casa. Estranhei a quantidade de carros na porta.
— É festa? Por isso você foi buscar né, Julie?
E então eu percebi que minha irmã estava com os olhos vermelhos, assim como meu tio que foi logo me pegando no colo. Eu ainda não tinha entendido.
Todos estavam chorando, inclusive minha mãe. A vi pela janela e comecei a chorar também, mesmo sem saber o que estava acontecendo. Meu tio me levou para a garagem e falava coisas que eu não conseguia entender. Foi então que entendi uma frase.
—... ele faleceu, Mel.
Faleceu. Ele faleceu. Ele quem? Mas cadê meu padrasto? Todos estão aqui menos ele, pensei.
Minha ficha tinha caído. Ele não estava aqui porque ele tinha falecido. Ele tinha ido embora para sempre.
...
Eu tinha 8 anos. E lembro muito bem da coisa toda.
Naquele dia eu senti a pior dor já sentida, a dor de perder alguém insubstituível. Ele não foi só o marido da minha mãe, ele foi um pai, foi nossa porta de escape, mais do que isso, foi a prova de que não importa o quando dure a tempestade, o arco-íris sempre aparece.
Numa segunda feira eu vi a minha felicidade fazer as malas e ir embora.
Quatro meses e nem um dia a mais. Foi o tempo que durou.
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Vomitei Borboletas Mortas [EM REVISÃO]
Non-FictionJá sentiu as famosas "borboletas no estômago?" Eu também. Mas as minhas expectativas foram frustradas, meu coração trincado e as borboletas morreram. Eu precisei vomitá-las.