Capítulo XVI

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A gente corre, se esconde, se encolhe, faz papel de durona, de louca, de ridícula e tudo isso por medo, medo do novo ser mais um replay, medo do antigo ser ainda pior e da nossa história não ser nada mais que decepções, nada mais que lágrimas no travesseiro e sorrisos forçados. A gente até tenta seguir em frente, tem pessoas que conseguem e meus sinceros parabéns, viu?

Porque eu tentei e sei o quanto é difícil.

Ainda mais quando o passado te puxa pra trás.

...

Não pode ser, pensei.

Uma nova conversa de número estranho, com o DDD conhecido.

Não visualizei mas senti minha boca secar, seria ruim demais pra ser verdade.

E foi.

...

Porque o passado não aceita que passou? Eu não entendo porquê ele teima em ser presente. Se o passado fosse uma pessoa eu diria: Senta lá, Cláudia.

...


Eu pensei em excluir a conversar sem visualizar, mas só pensei mesmo. A curiosidade sempre me colocando em furada.

Mel? É o Marcos.

Eu deveria saber. Quem é vivo infelizmente sempre aparece, acho que se ele estivesse morto ele também apareceria. Acho até que essa frase está errada. Deveria ser: Quem é passado sempre aparece.

Tentei parecer casual.

Marcos? Ah, Oi. E aí, ta bem?

Só tentei mesmo.

Eu queria dizer: Marcos, o mentiroso? Ou só Marcos?

Se ele estivesse na minha frente eu falaria em libras.

Mas né, eu nunca faço o que eu quero.

Sabe aquela conversa fiada?

Entre mimimis e emojis, ele colocou o dedo na cicatriz, não doeu, mas, ele tentou novamente.

Mas você estava namorando. Eu também estava, mas nunca te esqueci, e eu sei que você também não. A gente teve uma história.

Daquelas de terror, né? Ele só podia está de brincs ou de zoas.

Ah sim, tivemos uma história. Aquela que você me iludiu, quebrou a porra do meu coração e sumiu. A parte do sumir foi até boa, o resto nem tanto. Mas e aí, mentiu para ela também, ou foi só comigo?

Eu não sabia o que estava acontecendo só sei que digitava e enviava, eu não estava mais a fim de dizer o que as pessoas queriam ouvir, o que era confortável para elas, eu não queria mais fazer cócegas.

...

PORQUE SE ME ATACAR, EU VOU ATACAR – Lispector, Inês.

...

Mel, não é bem assim. Eu me arrependi, você disse que tinha me perdoado.

Tinha?

Perdoar não é sinônimo de esquecer. Ou é?

Eu sou outra pessoa.

Fico feliz.

O que aconteceu com você?

Hmm, mas fácil você perguntar o que não aconteceu.

O que ainda não tinha acontecido? O que faltava acontecer?

Fiquei me perguntando isso durante um bom tempo. E aí eu percebi que eu não era mais a menina alegre que usava os livros como laptops e as roupas da mãe, eu percebi que não planejava nem mesmo o dia seguinte, eu vi minha vida passar em 10 segundos na minha cabeça e quando chegou no presente não tinha mais nada, sonhos, planos, desejos, nada. Eu não esperava mais nada, de ninguém.

~

O mais engraçado era que o seu jeito manipulador e intimidador continuaram intactos, assim como a minha reação a eles. Não era uma coisa de "ai meu Deus", mas era uma coisa de "continua a mesma merda", eu sorria com meu próprio pensamento de adolescente com 30 anos.

Eu não conheço você e você não me conhece. Mas eu quero te conhecer.

Oi?

Eu te conheço muito bem Marcos. Não é porque trocou o corte de cabelo que eu vou te achar mais bonitinho.

Eu fui orgulhosa.

Ele tinha mudado, mas aquelas diferenças eram facultativas, eram como o azul ser vermelho ou não, não somava, não importava mais. Só que ele insistia em colocar o dedo na cicatriz.

Você se trancou, não deixe que as pessoas te mudem.

Que ironia.

Eu sei que te magoei, eu sei disso, Mel. Mas, eu não posso mudar o passado. Mas daqui pra frente pode ser diferente. Eu quero ser diferente com você.

Ele estava cutucando uma cicatriz antiga. Como eu queria que ele fosse diferente, como eu queria que as coisas fossem diferentes. Mas isso era antes, lá atrás, no dia em que ele mentiu pra mim eu pedi tanto para tudo aquilo ser uma mentira, um mal entendido, mas não foi, foi verdade, foi real, foi comigo, aqui dentro. Eu senti minha cicatriz abrindo aos poucos e ele continuava com o dedo ali.

Passou, mas eu não esqueci, não vou esquecer, não vou porque não posso e nem sei se tem como, nem sei se quero.

Pensar em tudo doeu, ardeu, sabe? Eu me senti estúpida de novo.

Eu sei que não tem como esquecer, mas eu quero tentar. Porque eu te amo.

Problema seu.

Eu não estou mentindo pra você, Mel. Eu nunca te esqueci.

Eu não acredito em você, Marcos.

...

Acreditar é uma palavra interessante, ao pé da letra significa dar crédito a alguém, apostar suas fichinhas. Eu tinha gastado as minhas.

...

Depois de insistir bastante, eu resolvi aceitar sua amizade. Ele continuava engraçado e aquela coisa toda. Ligava às vezes, mandava mensagem todos os dias e assim realmente ficamos amigos novamente. Eu aprendi a vê-lo como outra pessoa, como o Marcos em sua nova versão.

Confesso que gostava bastante dessa versão dele.

Ele me aconselhava muito quanto aos meus medos, ao meu passado, quanto à falta que eu sentia de algumas pessoas que não deveriam deixar saudades. Até brigava comigo quando a vontade de falar não escutava a razão. Perdi a conta das vezes que fui fraca, que a armadura falhou, mas ele dava um jeito de me ajudar, mesmo quando eu estava em prantos, por causa das fofocas. E foram tantas. 

A pior delas foi o boato de que eu tinha traído o Ian com o Alex ou vice-versa, nossa eu quis que o chão se abrisse, quis que o mundo parasse para que eu pulasse no buraco negro.

Mas ele não deixou.

E mais uma vez disse para que eu não deixasse que as pessoas tivessem tanto efeito sobre mim, pelo menos não mais.

...

Eu era uma tonta incorrigível.

Vomitei Borboletas Mortas [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora