Beber até cair, passar a madrugada nos bares da cidade, assistir o amanhecer todos os dias, se isolar, não comer, não sorrir, para muitos isso é chegar ao fundo do poço, para muitos o tarde demais é aceitar que nada pode ser feito, daí a entrega se torna a última opção. Porque as vezes bate um desespero, um medo de nada melhorar, de nada mudar. O coração engana a gente, engana diversas vezes, até que o jeito é dizer adeus e ele nem imagina o quanto doeu dizer adeus.
Sabe quando você sabe que vai chover bastante mas mesmo assim decide sair pra caminhar vestindo uma regata como se o dia estivesse ensolarado? Com ele foi assim, eu sabia que ele poderia ser encrenca, mas me apaixonei por suas nuvens pretas e esqueci que nuvens carregadas é sinal de fortes pancadas de chuva. Caminhei desprotegida nessa história, sem notar que já estava ventando forte e quando começou a chover eu já estava bem longe de casa. Levei pancadas de mentiras e um banho de realidade. Me dei conta que estava sozinha e completamente encharcada de ilusão.
Esse foi o meu tarde demais.
Coloquei minhas borboletas para dormir, estavam exaustas, coitadas.
...
Abri os olhos e não agradeci por estar viva. Quantas vezes eu quis morrer nos últimos dias? Fiquei pensando sobre enquanto deixava a água do chuveiro se misturar com minhas lágrimas, eu não estava chorando mas elas insistiam em cair.
Acho que estou inundada por dentro. Submersa em lágrimas que não chorei, pensei.
Fiquei encarando o celular enquanto me aprontava para escola, o que teria ali? Ele ainda estaria ali?
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A gente sabe que é errado, a gente sabe que é furada, que é raso, que é falso, mas mesmo assim a gente ainda pensa em chamar, em só pelo menos espiar e é por isso que o coração insiste em doer, ele não cansa, até cansarmos de sofrer.
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Ele tinha ido.
Engoli o nó que se formou na minha garganta e o bloqueei em todas as redes sociais, mesmo sabendo que o desbloquearia novamente, mas no momento, senti que meu coração agradeceu, os olhos não veriam muita coisa mas, as memórias seriam o suficiente para ele entrar em coma.
...
Memórias não são lembranças. Memórias são fatos, lembranças são detalhes.
Muitos estranham meu medo de casar. Eu sinto meu corpo gelar quando o assunto é compromisso, fazer planos, sonhar, criar expectativas, e quando começo a sentir as borboletas voando frenéticas pelo meu estômago, aí que da vontade de sair correndo.
Bato o pé porque eu sou assim, quando eu quero, eu quero. Mas quando eu tô com medo eu me escondo e fujo mesmo.
Mas é que eu já quis tudo isso um dia, em um dia em especial eu quis tudo, eu quis noivar, casar, ter filhos e vários cachorros. Esse dia está fixo na minha memória e de vem em quando aparece nas minhas lembranças.
...
Os dias seguiram, aparentemente estava tudo bem. Aparentemente.
Mais um noite e eu não conseguia dormir. Minha falta de sono estava ficando tão comum. Sempre tão cansada e trêmula. Sempre querendo deitar ou sentar. Não era um problema clínico, não somente, mas também um problema de alma. Um problema de dentro pra fora, como se eu tivesse chegado no meu limite. Dormir era difícil, acordar mais ainda, comer era só para tranquilizar os que de fato se importavam. Estava tudo assim, automático. Eu estava com defeito, desligando.
Eu precisava de alguma forma colocar para fora, as borboletas que dormiam, estavam mortas. E então eu as vomitei.
"Aquela confusão de pensamentos me impediu de dormir, outra vez. Esse entra e sai de pessoas na minha vida está deixando a porta com defeito, as fechaduras estão quebradas e a madeira ficando escura, sinto que falta pouco pra essa porta emperrar e se trancar por dentro. Ninguém entra, ninguém sai."
"Vou ficar aqui no escuro com os olhos bem fechados, bloqueando meus pensamentos e apertando os lábios para não transbordar, controlando a respiração para não fazer barulho, me encolhendo e ficando ainda menor. Escutando apenas o meu coração batendo devagar, quase parando."
"E hoje eu vaguei por aí, já que ontem eu morri."
...
Eu via as pessoas reblogando, favoritando, sem nem sonhar o porquê daquelas palavras, o porquê daquilo tudo. E pensei que de fato é assim que funciona. Cada um se importa com sua própria dor, porque é dor demais pra ser sentida e isso leva tempo.
A dor nos faz enxergar escuridão em tudo que aparenta paz, pelo menos, ela fez isso comigo. Eu não queria ninguém perguntando nada, eu não queria consolo, eu não queria batidinhas nas costas e nem ouvir que ficaria tudo bem. Eu não queria piedade e nem pena. E foi aí que eu comecei a deixar de ter dó de mim.
Eu era e confesso que ainda sou um pouco aquele tipo de pessoa fachada. Você sempre vai me ver sorrindo, conversando, ouvindo atentamente o outro e fazendo o impossível para ajudar. Mas aqui dentro tem uma grande escuridão, tem uma pessoa que esfriou, uma flor morta, uma borboleta sem asas, um alma doente, que de vez em quando escapa por ali ou por aqui.
Eu estava destruída, mas por fora, ser inteira parecia certo.
...
Comecei a dar atenção a outras coisas, pelo menos durante o dia, eu escrevia, ajudava, sorria, conhecia novas pessoas, isso me deixava bem, eu me sentia útil e viva. Comecei a dar mais valor aos amigos de verdade, aos que me viram cair e me ajudaram a levantar. Aos que nunca me enganaram e nunca brincaram com meus sentimentos, aos que falaram a verdade sempre que precisei ouvi-la. A esses dediquei meu tempo, meus ombros e meus melhores abraços.
Abraços por meio de palavras aos que estavam distantes e abraços calorosos a quem ficou do meu lado. Entre risadas, tantas lágrimas. Escondidas, camufladas, descriminadas.
Mas a noite, bom, a noite eu procurava por ele e como eu não encontrava, eu escrevia.
"Vasculhei as gavetas, as caixas, sacudi o edredom, olhei debaixo da cama, em cima do armário, dentro do banheiro e até na geladeira. O que eu procurava? Sua voz, seu cheiro, seus passos, seu abraço, você. Pelo menos uma imagem, um reflexo, qualquer coisa, mas queria você, puta merda como eu queria você."
...
Pelo menos eu ainda escrevia.
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Vomitei Borboletas Mortas [EM REVISÃO]
Non-FictionJá sentiu as famosas "borboletas no estômago?" Eu também. Mas as minhas expectativas foram frustradas, meu coração trincado e as borboletas morreram. Eu precisei vomitá-las.