Preto

914 60 10
                                    

Ela estava de preto. Odiava usar preto, era uma cor horrível, não combinava em nada com sua mãe, Deméter. Mas não conseguia vestir nada alegre. Ela não estava alegre. A dor que sentia, que apertava seu peito com força e parecia que nunca iria embora era algo que nunca imaginara sentir, mas estava sentindo.

Queria que ele pudesse confortá-la agora.

Mas ele não podia, nunca mais poderia. E era isso que doía em seu peito, que esmagava seu coração como se fosse feito de massinha.

Apoiando-se na irmã ela saiu de casa, não queria chorar, não conseguia chorar. Quanta ironia, ela, que sempre chorou por tudo, não conseguia chorar quando a pessoa que mais amava no mundo tinha ido embora. Pra sempre.

Em uma das mãos segurava flores de enterro, ela não se deu ao trabalho de examinar quais eram, Miranda havia escolhido-as. Mas na outra apenas um ramo de uma flor azulada e simples que os dois conheciam. Um único ramo, pois ela fazia questão de guardar o restante da planta consigo.

Depois de arremessar as flores sobre a caixa de madeira e ver cair a primeira porção de terra começou a chorar. Uma lágrima grossa desceu por sua bochecha, logo seguida por outra, e mais outra... Tentaram abraçá-la, mas ela só precisava ficar um pouco sozinha. Caminhou até o carro e ligou-o acelerando em direção a estradinha de terra que tanto conhecia, não se deu ao trabalho de fechar a porta do veículo, só saiu em disparada para dentro dos limites de onde foi seu lar por muito tempo. Lar deles. Jogou-se de joelhos nos campos de morangos e gritou. Gritou mais alto do que pensou que poderia, tentando tirar toda a dor que sentia junto de sua voz. Amaldiçoou todos os que puderam fazer algo e não fizeram, os que tinham partido há muito, os que nem mesmo tinham ligação com o acontecido. Amaldiçoou a todos porque fora amaldiçoada.

Os campistas jovens, como um dia ela fora, encaravam a mulher com um vestido preto jogada no meio das plantas. Não tinham mais campistas de sua época, todos os que sobreviveram estavam nesse momento prestando suas condolências à Connor. Ela imaginava como ele deveria estar, perdendo sua única família, mas Miranda estava com ele, iria consolá-lo assim como consolara-a.

Mas nesse momento, a semideusa não queria consolo, queria seu amado em seus braços, queria queimar por dentro com néctar, talvez doesse menos. Como seria amanhã? Ela voltaria para sua vida normalmente?

Não existiria normalidade sem ele. Nunca mais.

Os morangos inclinavam-se em sua direção e logo alguns meio-sangues mais atrevidos se aproximaram. Ela limpou os olhos rapidamente e respirou fundo. Era uma instrutora. Tinha responsabilidades. Era uma campista de décadas. Fechou os olhos e levantou-se, vendo que atrás de si tinha uma única menina segurando entre os dedos uma flor azulada. A sua flor azulada.

- Eu sonhei com você. - Ela disse estendendo o raminho. Katie pegou e logo seus olhos marejaram, mas ela ignorou sorrindo triste.

- E com o que você sonhou? - Ajoelhou-se para poder olhá-la nos olhos.

- Tinha um bebê no seu colo e você estava chorando enquanto beijava a testa dele. - A menininha limpou as lágrimas da mulher.

- E o que mais? - Ela esperava o que viria. Reconheceu os cabelos dourados e o nariz arrebitado da pequena, seria uma grande profetiza quando crescesse.

- Você o chamou de Travis.

TratieOnde histórias criam vida. Descubra agora