Tratie

Homens não choram

Novamente as lágrimas caíam pelo rosto da filha de Deméter, mas dessa vez ela tinha um bom motivo, o melhor possível.

A conselheira-chefe do seu chalé havia morrido em missão.

O nome ela não sabia ao certo, somente a chamava de JayJay, mas acreditava que se escrevia JJ, como inciais. Não importava. Ela estava morta.

Total e completamente morta, a cerimônia simbólica onde queimavam o manto, já que o monstro não parecia disposto a cuspir o corpo, estava acontecendo, e ela chorando sozinha no píer.

O primeiro lugar que pensaria em ir seriam os campos, mas lá tinham muitas lembranças da irmã, coisas que ela não precisava lembrar para ficar pior.

- Gardner! Gardner! - Era a voz do Stoll. Se estivesse em um dia normal, detestaria escutá-lo gritando seu nome, mas quando chorava ele tinha o incrível dom de fazê-la esquecer de tudo e ficarem apenas os dois em uma bolha sem problemas e frustrações. Ele a fazia bem. - Estou te procurando por horas, Katherine, seus irmãos nem notaram que você sumiu, mas eu notei e... Kay, você está chorando.

- Minha irmã morreu, Stoll, você queria que eu desse uma festa? - Travis deu de ombros e jogou-se ao lado da garota, ainda pequena, mas com a língua afiadísssima. Estavam no auge dos seus 10 anos, ela ainda com 9, e ele se gabava por já estar nos dois dígitos enquanto ela colocava um 0 antes do 9 para ocupar espaço.

- Ela provavelmente está dando uma festa com direito a todo tipo de comida lá no Elísios, você não acha? - A pequena encarou-o. Sim, era o que ela sabia que estava acontecendo, isso fez as lágrimas descerem mais devagar.

- Briana não gosta de mim, ele é a nova conselheira-chefe, provavelmente vai me deixar com as piores tarefas. - Travis passou um braço ao redor dos ombros da pequena, que se recostou nele, voltando a chorar.

- Nós dois podemos dizer que você não foi renunciada coisa nenhuma e assim você volta pro chalé 11, só nós dois vimos aquilo mesmo. - Deu de ombros e sorriu para ela, que balançou a cabeça rindo. Quando em mil anos pensaria que estaria abraçada com o garoto de orelhas de duende que dormia ao seu lado no colchonete?

- Trav, você nunca chora... - Eram amigos, ela sabia. Ele foi seu presente de ano novo, mas ela nunca teve a chance de ampará-lo como ele a amparava todas as vezes em que estava mal.

- Homens não choram, Gardner, quando eu fui pros dois dígitos parei de chorar. - Ela riu fraco e encarou-o.

- Você nunca chorou perto de mim, nem quando não tinha dois dígitos. - Ele deu de ombros e a puxou novamente para o seu peito, para que não encarasse-o. Aprendeu com o tempo que Gardner adorava abraços quando estava triste, uma mão no ombro ou um cafuné não era o suficiente, ela gostava de sentir os braços ao redor de si e ser amparada com palavras que a distraíssem do motivo por estar triste.

- Eu só chorei uma vez, na minha primeira noite aqui, depois não me lembro de ter chorado. - Ele era um homenzinho!

- Eu lembro só de uma vez, quando você quebrou o braço. - Ele bufou, não queria se lembrar do quanto fora estúpido.

- Bem, acho que é melhor voltarmos, devem estar preocupados. - Ele puxou-a, se levantando.

- Não vou entrar no meu chalé. - Balançou a cabeça. Se nos campos de morangos já tinham lembranças, imagine no chalé onde ficava todos os dias com JJ?

- Você pode dormir na enfermaria, vem, eu fico com você. - Katie sorriu agradecida. Ela sabia que Travis não a deixaria sozinha num momento como aquele, então os dois dormiram em macas na enfermaria, Travis jogado sobre o travesseiro de bruços, praticamente roncando, e Katie olhando para o filho de Hermes, agradecendo aos deuses e àquela trufa de cereja por ter o melhor amigo de todos.