THÉO
Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.
- Pablo Neruda
A mansão D'Ávila soa como uma casa mau assombrada nesse momento. Quando coloco a cabeça para fora do quarto, a única coisa que vejo é a escuridão. A casa está silenciosa e baixo os olhos para o relógio em meu pulso. São quase dez da noite e o silêncio me dá a certeza de que todos estão dormindo. Fecho a porta do quarto o mais silenciosamente possível e então caminho sem fazer qualquer barulho pelo corredor. Quando passo em frente ao quarto de Joana, me aproximo apenas o suficiente para constar que tudo está quieto, então sigo com meu plano de fuga.
Quando a frio me atinge, preciso me encolher dentro do casaco e enfiar minhas mãos nos bolsos. Respiro fundo, olhando por cima do ombro uma última vez antes de apressar os passos, me distanciando da mansão. Quase duas semanas se passaram desde minha volta e tudo está ainda mais torturante, pois se antes já era vigiado, agora vovó não precisava disfarçar com sua segurança quase ridícula, como se achasse que a qualquer momento eu fugiria e voltaria para o Rio.
Como se eu tivesse algum tipo de escolha, não é mesmo?
No dia anterior Otávio havia milagrosamente chegado em casa na hora do almoço e compartilhado a mesa comigo e vovó. Como sempre, mantive a maior parte da refeição em silêncio, perdido em meus próprios pensamentos enquanto eles agiam naturalmente, como se não tivessem nenhuma noção do que estão fazendo, mas isso logo mudou quando o nome de Nicolas foi citado na conversa. Eu havia erguido meus olhos automaticamente para meu pai quando ouvi o nome.
- Parece que as coisas voltaram a funcionar naquela empresinha de segunda. – Otávio disse, se referindo a empresa de Nicolas. Permaneci em silêncio, o encarando com todo o meu ódio.
- Está vendo só, Theodoro? Estamos cumprindo com nossa parte no acordo, então espero que continue sendo um rapaz muito sensato. – Joana diz, lançando em minha direção o seu sorriso de vitória. A única coisa que fiz foi o que mais poderia atingi-la, ou seja, deixei meu senso infantil tomar conta de mim e soltei o maior arroto que consegui, graças a ajuda da água com gás que tinha acabado de tomar. Um sorriso de orelha a orelha surgiu em meu rosto quando vi a expressão horrorizada no rosto da minha avó que ficou em choque com meu gesto, um... Educado! Ao contrário de Otávio D'Ávila que bufou com toda a sua ira e jogou o guardanapo agressivamente sobre a mesa, enquanto levantava e saía praguejando da sala. Às vezes é mais útil agir como uma criança mau educada, pelo menos eu podia fazer isso sem nenhum medo de retaliação, afinal, meus modos não estavam inclusos no maldito acordo.
As ruas de Florianópolis estão tranquilas e caminho sem nenhuma pressa ou medo pelas calçadas, sem direção. Apenas quero esvaziar minha mente e poder respirar um pouco de liberdade, nem que seja por algumas horas. Desde minha volta, meu quarto havia se tornado a minha caverna. Ninguém havia se importado com meu repentino ataque de fúria e destruição que causei no quarto naquele dia. Como castigo, vovó não tinha permito que qualquer empregado se aproximasse para me ajudar com a bagunça. Eu não me importei, na verdade. Aquilo tinha esvaziado toda minha energia e me entorpecido de algo que fez com que minhas lembranças se ascendessem. Isso mesmo. Finalmente consegui lembrar de cenas da minha infância com Nicolas, como se isso fosse apenas a confirmação do que fomos um dia. E é tão estranho saber que tudo poderia ter sido diferente, que minha vida teria sido outra se meu pai e minha avó não tivessem me roubado com se eu fosse um objeto do lugar onde sempre pertenci. Eles roubaram minha infância e o futuro que eu poderia ter tido ao lado de Nicolas, de onde nunca deveria ter saído.
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Casa de Lego (Rascunho)
RomanceA vida é um mistério, e nós nunca saberemos quais são os desafios que o destino estará disposto a nos fazer encarar, sem nenhum aviso prévio do futuro, seja ele doce ou amargo. Quem imaginaria que uma noite de natal poderia mudar a vida de tantas pe...