Prólogo

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Às vezes você se sente diferente, eu sei. Me sinto assim quase sempre. Não é algo incomum. Querer mais coisas em sua vida. Desejar mudanças boas. Desejar que o tempo avançasse para algum ponto de calmaria.
Às vezes tenho o mesmo sonho. Estou voando, mas caio em uma floresta escura e por mais que tentasse sair, daquele lugar, nunca encontro o fim. Depois disso sinto uma angústia enorme no meu peito, então, levanto e me sento à beira da cama. Fico observando meu quarto. Está escuro ainda, mas posso enxergar um pouco por causa da iluminação da rua que entra em meu quarto através do vidro da janela.
Meu mundo era aquele quarto, quando não estava na faculdade. Um quarto de paredes azuis e amarelo tom de areia da praia com apenas uma janela de madeira branca de duas abas, com vidros coloridos: azul e amarelo e a porta bege. Meu guarda-roupa, não muito grande com aparência retrô no canto, ao lado minha mesa de estudos com meu computador (comprado com muito esforço), minha estante de parede cheia de livros. Ah! Tem um quadro que eu fiz do mapa-múndi com recortes de jornal.

Volto a dormir
Não demorou
Amanheceu

Fico, durante um tempo, andando de um lado ao outro da minha casa. Minha mãe ainda não chegou. Acho que ela está na casa do cuzão do namorado dela. Não consigo entender como pessoas se sujeitam a receber miséria ao invés de amor. São seis e meia da manhã. Por sorte limpei a casa antes de dormir e não tenho muito trabalho para fazer, vou deixar o café pronto e a hora que ela chegar não vai ter do que reclamar.
Chego no ponto de ônibus e por sorte ele não demora. “O meu lugar favorito está vazio! O último, na janela”. Sento e coloco minha mochila em cima das minhas coxas. Estou usando uma calça jeans azul, camisa sem estampa bege e tênis All Star preto. Meu corte de cabelo é bem curto — é bom e econômico —, meu cabelo é loiro escuro e eu tenho uma pele corada por causa do sol, um semblante sempre cansado em meu rosto, por de trás dos meus óculos de grau preto e quadrado, mas o que mantém em mim uma aparência jovem é o sorriso e a simpatia.
Dizem que sou bonito, mas sinceramente, não dou ouvidos a isso. Não me sinto bonito. Acho que penso mais em me sentir confortável com a roupa que visto, com o corte de cabelo e com o odor que exalo. Se me acham interessante, aceito como elogio, mas não tenho tempo para romances, decidi cuidar mais de mim. Não que eu nunca tenha me relacionado com alguém. Apenas me decepcionei muitos com as pessoas as quais queria ao meu lado.

Não sou frio, apenas me protejo, sempre.

Ultimamente tenho pensado no meu pai. Nunca soube quem era ou quem é. Minha mãe nunca fala sobre ele e enche a boca para dizer que foi um erro de percurso o fato de ela ter o conhecido e eu nascido. É traumatizante, eu sei, mas não me importo mais.
Uma vez eu estava no shopping e vi um senhor que aparentava ter 49 anos de idade, fisionômicamente poderia ser meu pai. Ele estava bem vestido — no quesito roupas caras —, mas era simples e muito gentil, um ar calmo. Ele esperava a esposa e seus dois filhos, uma menina que aparentava ter dez anos e um adolescente que devia ter 14 ou 15 anos. Sua esposa era muito bela e engraçada no seu jeito.

Como deveria ser, ter uma família?

A manhã passa muito rápida e não notei que passei o dia em silêncio, falando pouco com os meus colegas da faculdade. De repente, no fim das aulas me assusto com a Rafaela, minha amiga, me pegando pelo braço e dizendo que eu ia pegar carona com ela.
— Rafa! Não me assusta! — Começo a rir.
— Desculpa amigo, mas eu notei que você estava muito estranho hoje. O que foi que aconteceu? — Pergunta Rafa com um interesse muito gentil.
— Nada demais. O de sempre! — Bufo de raiva.
— O que houve Tess? — Pergunta ela.
— Minha mãe e esse namorado escroto dela!
— O que aconteceu dessa vez?
— Ela saiu ontem com ele e não dormiu em casa. Quando chegou ficou me mandando mensagem me perguntando o porquê de eu não ter preparado bastante café para eles tomarem.
— Que horror! — Nos aproximamos do carro e ela destrava a porta, dentro dele continuamos a conversar.
— Já estou tão cansado de tudo isso! Queria sumir, sabe?
— Entendo amigo, mas não fica assim.
— Tudo bem... às vezes eu queria poder saber quem é o meu pai — Desabafo.
— Você nunca encontrou nada e nem ninguém que pudesse dizer alguma coisa a respeito de quem ele é?
— Nada — Apoio meu cotovelo na janela do carro que estava fechada e recosto minha cabeça em meu punho. Começo a chorar.
— Amigo... nem sei o que falar. Chore — ela põe a mão gentilmente em meu ombro — vai ficar tudo bem, você vai ver.
Ela continuou dirigindo em silêncio, provavelmente sem saber o que fazer, mas disposta a estar ali. Um estrondo seguido de uma batida forte me assusta. Já não escuto mais nada e mal vejo o que acontece. Tudo parece embaçado, como se eu estivesse olhando através de um espelho sujo. Tento olhar para o lado e ver a Rafa. Ela está gritando, mas não ouço nada além de um zumbido e depois disso tudo se apaga.

Incrível como o destino aproxima as pessoas
Mais incrível ainda é como elas acabam se separando

Ainda Sem TítuloOnde histórias criam vida. Descubra agora