O tempo passa
Vem e vai
Você está aqui e ali
Parte de mimUma semana se passa. Meu pai tem vindo me visitar todas as noites desde quando voltei para casa e de bagagem, Conrado vem junto. Tem sido muito legal passar esse tempo com eles. Minha mãe e eu ainda estamos estranhos um com o outro, mas isso tem passado com os dias.
É chato ter um braço imobilizado. O médico disse que eu ficarei bom em alguns dias. Hoje, meu pai ficou de me levar no shopping pra conversar. Ele veio só. Conrado está fazendo alguma coisa no trabalho.
— Pai, posso lhe falar uma coisa? — Estamos andando em direção a uma loja — É algo que contei para a mamãe, não tem muito tempo.
— Pode sim Tess, o que é? — Ele concorda e me olha com um sorriso.
— Eu não sei — parei em frente à loja — nos conhecemos há pouco tempo, você deve esperar certas coisas de mim...
— O que isso tem a ver? — Meu pai me interrompe.
— É que — respiro fundo — eu, eu sou gay. É isso. — Abaixo minha cabeça.
— Tess, olha para mim? — Ele se aproxima — Eu não tenho nenhum outro filho, e, muito menos me planejei para isso, mas agora que tenho você, vou querer fazer parte da sua vida. E isso envolve os sentimentos que você tem por outra pessoa...
— Obrigado! — O interrompo com um abraço — Isso é muito importante para mim!
— Eu sei meu anjo — diz ele — agora vamos entrar — ele ri — antes que eu comece a chorar.
Entramos em umas lojas a pedido dele. É legal ter um pai que entende de moda, geralmente me visto com roupas simples e básicas, em algumas ocasiões eu visto algo melhor. Fico o observando. Cada gesto. Como ele sorria e cumprimentava as pessoas. Uma pessoa tão boa, tão boa. Então fiquei me perguntando: “por que os meus avós fizeram isso com ele e com meu tio? ” Meu semblante muda enquanto penso nisso. Estávamos na praça de alimentação e meu pai percebeu essa mudança.
— O que aconteceu? — Pergunta ele.
— Hã? O que?
— Você, está com uma cara de “não estou aqui” — ele imitou o meu semblante.
— Pare de graça! — Ri um pouco — Eu só estava pensando em uma coisa.
— Pode falar?
— É... você, já ligou para a minha avó?
— Ainda não — ele toma um gole de refrigerante e olha para o lado e então retorna a mim — não sei o que falar. E ao mesmo tempo me preocupo com a minha reação e a dela.
— Hum... acho que isso deve incomodar de alguma forma.
— Como assim filho?
— Sabe, as pessoas sempre acabam se arrependendo de algo e então isso se torna um fardo quando elas não pedem perdão ou não se perdoam.
— Você tem razão. Se torna um sentimento inacabado, igual no filme do Gasparzinho.
— O que? — Começo a rir — Não acredito! Eu falando algo sério e você faz esse comentário e não ri? Meu pai é maluco gente!
— Nada! — Ele ri suavemente — Eu costumo fazer isso quase sempre. Você não imagina como são as reuniões da empresa. Odeio aquele tédio dos números e então sempre faço uma piadinha para descontrair.
— Imagino. Ah! Você pode me levar na casa da minha amiga? Fica aqui perto.
— Posso sim! Qual o nome dela?
— É a Rafaela, a que estava comigo no carro.
— Ah, sim! Ela é muito simpática e os pais são bem compreensivos. Conversamos no hospital.
— Ela me falou, por telefone.
— Vou ligar para a minha mãe depois, mas você vai ter que falar com a sua.
— É, você tem razão.
— Sou seu pai, tenho sempre razão! — Ele sorri sarcasticamente.
Ficamos ali por mais algum tempo. Ele me deixa na casa da Rafa e diz que vai deixar as compras em casa e aproveitar para conversar com minha mãe. Entro no prédio e fico esperando a moça da portaria ligar para o apartamento dela, ela atende e manda eu subir. Enquanto estava no elevador, fico pensando no que deveria falar para a Rafa. Geralmente eu conto tudo o que me acontece, mas dessa vez vou me limitar a algo que eu não comentaria com meus pais assim tão cedo, até porque eu nem sei se isso vai render em alguma coisa: Conrado e eu.
Quando chego no apartamento, sou recebido pelo Nestor, o cãozinho da Rafa — Tanta fofura! — A mãe dela está na cozinha fazendo bolo.
— É o Tess que chegou!? — Pergunta Mary.
— É sim mãe! Ele veio pegar as provas dele! — Responde a Rafa, gritando.
— Oi tia! Saudades! — Grito.
— Também! Fica até o bolo ficar pronto? — Ela vem até a sala — É de chocolate com laranja, aquela receita que você me mandou.
— Ah, é claro que fico — respondo com um sorriso tímido.
— Vou voltar para cozinha e deixar vocês conversando — Ela se vai e entra, acompanhada pelo Nestor. Rafaela fica me falando de uma traquinagem do Nestor e vamos para a sacada.
— Preciso te falar uma coisa! — Começo.
— Eu também! Mas fala primeiro.
— Bem... sabe o meu primo?
— Ãham, o que tem ele?
— Bom, é que... ele não é meu primo. Tecnicamente.
— Como assim? Que babado é esse?
— Ele é filho apenas da minha falecida tia e meu tio adotou ele...
— Ah sim! Você me falou — ela tem um insight — Espera! Você e ele? Não? Mentira? Serio? Que ba-ba-do!
— Para! Eu fico até sem graça em te falar isso. Ele é legal. Uma ótima pessoa, mas você sabe que não consigo engatar em nenhum relacionamento...
— Para você! — Ela me interrompe — Você não pode se fechar para outras pessoas. E ele é lindo amigo!
— Eu sei, eu sei. Mas é que, sei lá, sou inseguro. E não rolou nada, eu juro!. Acabei me afastando na hora.
— Entendo. Isso tem a ver com o Yure, o seu ex, não é?
— Em parte. Sei lá! Tenho receio de que... aconteça alguma coisa mais chata.
— Sei. Mas se você se resguardar a vida toda, não vai encontrar alguém.
— Eu só quero ter a certeza de que ele pode ser alguém importante para mim. Como amigo. E sem falar que vai ser um choque quando souberem que ele e eu, temos algo.
— Isso é verdade.
— Hoje, eu meio que... tipo, resolvi falar paro meu pai que sou gay. Até por causa de uma confusão com o Reinaldo. Te falei por telefone até.
— Sim, sim! E ele? O que seu pai disse amigo?
— Falou que não quer brigas, até porque eu sou o único filho dele, e, que quer fazer parte da minha vida.
— Nossa! Que lindo!
— É mesmo. Ele é maravilhoso!
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Ainda Sem Título
Romance[Finalizado] Estive pensando em várias coisas: meus relacionamentos falidos, minha mãe reclusa e principalmente o pai que nunca tive. Talvez em algum lugar nessa bagunça reste espaço pra por a cabeça no lugar e começar a arrumar tudo isso.