Enchi meu peito de coragem e fui até a casa do Lucas. Toco a campainha e espero não ser ter acordado ninguém. Um homem alto de olhos azuis e cabelo branco aparece na porta. Fico tão constrangido que quase penso em fugir.
- Eu sou Tess, neto da dona Cecília...
- Ah! O amigo do Lucas - o homem me interrompe - seu pai falou um monte de você ontem a noite e minha esposa e filhos também comentaram de você. Pena que você passou mal e teve que ir embora do jantar.
- Pois é... - vejo que ele muda o semblante para algo mais sereno - eu gostaria de falar com o Lucas. Ele está?
- Por sorte sim - o senhor abre a porta e só consigo pensar em como por sorte? - Ele está voltando pra Curitiba. Alguma coisa aconteceu no trabalho dele e vai ter de ajudar por lá - sou apontado para as escadas - é a terceira porta do corredor. Pode ir!Agradeço e sigo em direção as escadas. Essa casa consegue ser mais cara do que a da minha avó. Sigo as orientações do pai do Lucas. Noto que a terceira porta está aberta e me aproximo. Ele está lá dentro, segurando a bola que nos aproximou e me derrubou no chão. A mala está feita. Seu quarto lembra o de um adolescente americano, cheio de pôsteres de banda e filmes. Lucas está sentado na ponta da cama de casal. Resolvo bater na porta e pedir pra entrar. Ele me olha assustado, como se eu fosse uma miragem, depois sorri e vem ao meu encontro com um abraço apertado que me tira do chão.
- Você está aqui! Você está bem? - Ele me coloca no chão, arruma meu cabelo e posiciona as mãos na minha nuca.
- Estou bem... - fico corado - eu vim agradecer por ontem a noite e me desculpar também...
- Não tem que se desculpar - Lucas me pega pelas mãos e me leva até a cama para sentar - Conrado é meio piradinho das ideias, por isso nunca fomos amigos. Eu tentei te alcançar ontem a noite, mas não consegui.
- É eu vi - passo os braços envolta do Lucas e o abraço apertado. Ele parece não acreditar e demora pra me abraçar de volta - Eu não sei o que você tem, porque me sinto tão... tão...
- Em paz - ele completa - eu também. Por isso eu achei melhor não insistir. Poderia não ser muito bom pra nós dois.
- Eu te entendo - o solto e olho diretamente em seus olhos azuis - só não estou pior nessa confusão do Conrado, porque você me ajudou e também... - solto um sorriso - é...
- Não precisa falar - ele acaricia meu rosto - eu espero te encontrar de novo.Nossos lábios se cruzam mais uma vez. Com a mais bela despedida de todas. No fim. Eu acho que foi melhor assim: ele partir. Partir e levar talvez espectativas que poderiam ser geradas, noites de amor e a dúvida de que poderia dar certo.
*****
A manhã passou rapidamente. Fiquei com o Lucas até um pouco antes de o táxi vir buscá-lo para a rodoviária. Volto pra casa mais leve e feliz. Na verdade volto mais decido a voltar pra Belém. Conheci minha avó e a cidade onde meu pai nasceu. Me conectei a ele e a minha família. Estou um pouco mais maduro graças a uma brisa quente nessa frieza: minha brisa de afeto, Lucas.
Chego em casa e vejo meus pais na sala e Conrado também, mas de cabeça encurvada. Pelo que vejo e sinto, o clima está bem tenso e mal tenho vontade de perguntar o que aconteceu. Meu pai me chama e me aproximo. Sei o que dizer e fazer penso comigo mesmo.- Antes que qualquer palavra seja dita ou qualquer pedido de desculpas seja pedido eu quero que todos me ouçam e respeitem minha decisão - meus pais se olham e retornam o olhar pra mim e Conrado me lança um olhar quase que chorando - na noite passada - continuo - arrumei minhas malas e deixei debaixo da cama. Estou voltando pra Belém e quero ficar esse tempo só - todos me olham com certo espanto e antes que digam alguma coisa eu me antecipo - pai e mãe, fiquem mais um tempo juntos. Vocês se amam e passaram tanto tempo longe que eu sei que não faltará oportunidade pra ficarmos os três juntos como uma família. Agora você - me volto em direção ao Conrado - eu te pedi pra não me envolver em sua confusão e o resultado disso é a marca da sua mão no meu pulso - ele tenta falar, mas o gênio da minha mãe fala mais alto em mim e continuo - estou decepcionado com você. Mas não te culpo, também estava confuso em relação ao que sentia, mas eu percebo que te vejo hoje como um irmão ou amigo. Só quero que você saia dessa confusão e fique bem. Tendo dito isso, estou indo para o meu quarto e não quero ser incomodado. Depois eu falo com a vó Cecília sobre minha decisão.
Viro e sigo para as escadas. Minha mãe tenta vir atrás de mim, mas meu pai a detém. Talvez por conhecer ele tão bem, saiba que sou decidido como ela. Meu pai me deu um cartão de crédito com limite bem alto! O suficiente pra eu comprar as passagens de volta a Belém.
Troco de roupas após um banho bem longo e quente. Ao sair do banheiro, vejo minha avó sentada e olhando para as malas.- Você é genioso como seu avô! - Ela diz - Mas também é sensato e gentil como seu pai. Eu quis muito conhecer você. Todos esses anos! - Ela me olha e vejo lágrimas em seu rosto - Por favor, volte ou podemos viajar juntos!
Ambos rimos. A abraço e digo que irei voltar e que nós iremos viajar juntos e aproveitar que não pagamos hotel em cinco países. Ela ri e tira uma caixinha de relógio de dentro do bolso - era do seu avô. Ele queria que fosse presente para o primeiro neto dele - eu pego e abro e vejo o relógio mais lindo de todos. Delicado, dourado e com pulseira de couro italiano, como disse minha avó.
Ficamos no quarto até o motorista por o carro pra fora. Todos vão me deixar na porta. Ele me levou até Porto Alegre e estou esperando o vôo. Comprei tudo pelo telefone. E volto a pensar no que estava conversando comigo mesmo na pracinha do condomínio: minha vida era um livro ainda sem título. Uma estrada sem destino algum com milhares de rotas. Agora eu tenho um título pra mim. Agora eu...
Espero te reencontrar.
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Ainda Sem Título
Romance[Finalizado] Estive pensando em várias coisas: meus relacionamentos falidos, minha mãe reclusa e principalmente o pai que nunca tive. Talvez em algum lugar nessa bagunça reste espaço pra por a cabeça no lugar e começar a arrumar tudo isso.