Afonso
Por que diabos ainda penso nele?!Ainda estou em processo de aceitar tudo o que me aconteceu. Mas estou certo da raiva que sinto do Afonso. Meses e anos se passaram. Nada disso foi capaz de fazer com que ele não traísse o que tínhamos. Não quero ver esse idiota! O que me preocupa é o fato de ele trabalhar no Grupo também é vou ter de encarar a cara lavada dele.
Preciso ver esses documentos. É melhor deixar a raiva de lado e focar no trabalho. Mais tarde vou ver meu primo. Nunca conheci alguém tão interessante como ele. Poucas pessoas tem o dom de te trazer paz. Pensar nele me faz sorrir. Começo a escutar The Killers e a cantarolar as músicas.
O telefone toca.
— Sr. Conrado, o diretor de comunicação está na linha e quer falar com você.PORRA! ELE AGORA NÃO!
— Do que se trata?
— É referente a apresentação do dia 25. Ele gostaria de saber a que horas vai ser sua fala para colocar no itinerário.
— Diga que vou abrir a programação. Não estou podendo falar muito no momento.
— Tudo bem. Obrigada, senhor.
— De nada, Paula.
— Mais uma coisa. Recebi essa intimação convidando o senhor a depor na delegacia geral, às onze horas.
— Deixa na minha mesa e mais uma vez, obrigado.
Desligo o telefone e volto ao que estava fazendo anteriormente. Tomara que o tio consiga levar o Tess pra Gramado. A vó Cecília vai gostar de ter alguém como ele pra lhe fazer companhia.
Horário do almoço está chegando. Será que o Tess almoçaria comigo? Não seria ruim ligar pra ele.
— Oi, Tessinho!
— Droga! Conrado, não me chama assim!
— Você tá ocupado?
— Não. Por que?
— Quer almoçar comigo?
— Eu já almocei. Eu cozinho cedo, porque a mamãe tem que terminar de lançar notas na escola onde ela trabalha.
— Ah, tudo bem então.
— Come aqui? Tem estrogonofe de frango!
— Ah, tudo bem então! Estou saindo daqui do escritório e chego em meia hora — me levanto e pego minha pasta enquanto estou no telefone — estou saindo daqui.
— Meia hora?
— Sim! Estou sem carro, mas vou pegar um táxi.
— Não vai ficar caro demais?
— Relaxa, trabalho pra isso.
— Se você diz. Tudo bem então.
— Até mais.
Entro em um táxi na frente do prédio onde trabalho. Sinto uma coisa tão boa. Fico pensando na noite em que quase beijo o Tess. Foi bem confuso, eu sei, mas ele tem algo tão bom que é difícil resistir a isso. Inocência. Racionalidade. Rigidez. Não sei o que pode acontecer, então, melhor seria, deixar tudo como está.
Enfim chego na casa dele. Me sinto bobo e com o rosto quente. Preciso controlar isso! O que é engraçado de tentar. Aperto a campainha e Tess vem rapidamente abrir o portão. Ele está vestindo uma camiseta azul e uma bermuda curta vermelha, parece até roupa de praia. Geralmente, ele usa bermuda jeans e camisa sem estampa.
— Vai ficar só me olhando ou vai entrar?
— Ah, desculpa! — Começo a rir, um pouco embaraçado e entramos.
— Posso guardar suas coisas? — Tess pergunta, olhando pra minha mochila.
— Pode sim! Toma! — Tiro a minha mochila e entrego a ele.
— Cadê a sua mãe? Pensei que ela já estivesse aqui.
— Ela vai almoçar na escola. Quer terminar de lançar as notas no sistema da escola.
— Entendi.
Ficamos nos olhando em silêncio por alguns segundos.
— Você vai querer comer, certo?
— Claro que sim! Estou faminto!
Vamos em direção a cozinha. É bem pequena, mas bastante confortável. Fico observando Tess me servir enquanto ele falava sobre as notas não terem sido lançadas ainda. Ele coloca o meu prato com a comida na mesa e em seguida pega um saquinho com batata palha e chacoalha próximo ao rosto, fazendo uma cara engraçada.
— Every one have a secret and my secret is that! — Ele faz uma voz engraçada, meio sensual e cômica. Eu caio na risada.
— Você é louco! Tem a quem puxar!
— I’m insane! — Ele grita, rindo igual um psicopata clichê. E eu continuo rindo.
— Chega de loucuras! O show da Xuxa acabou — Ele senta e fica de frente para mim — agora coma, senhor. Começo a comer e ele se levanta e começa a guardar as louças que estavam no escorredor da pia. Só agora percebo que ele está usando um avental com estampa xadrez e a cantarolar Maria Gadú.
Tess termina de arrumar as coisas e eu ainda estou comendo e olhando meu Facebook no celular e respondendo algumas mensagens que o pessoal da companhia manda. É tão estranho as pessoas abrirem processo por coisas idiotas que não valem nem apena comentar. Então o Afonso me envia mais uma mensagem. Dessa vez perguntando sobre o fechamento da lista de convidados. Todo ano sou eu que fico responsável por organizar isso e com o que aconteceu acabei tendo de dividir com ele as tarefas da organização.EU:
Olha... eu vou resolver isso essa semana agora. Já combinei que o evento vai acontecer no terceiro final de semana de Julho até por conta de alguns assuntos familiares.
AFONSO PETTERSON:
Tudo bem. Acabaram de me repassar isso. Eu posso acertar o buffet pra 700 convidados? Já que vamos receber alguns investidores e o dr. Thulio enviou por e-mail a lista de convidados contando com parentes de alguns membros da rede.
EU:
Se o tio mandou, okay. Contrate alguns temporários pra noite do evento e cheque as reservas dos hóspedes mais importantes. Só isso?
AFONSO DONADONI:
Ah, você está bem? Me contaram sobre o acidente... e fiquei preocupado.
EU:
Estou sim. Tanto que estou falando com você.
Preciso desligar e resolver outras coisas. Tchau.Desativo a rede móvel e volto a comer. Enquanto isso, percebo que meu primo não está na cozinha mais. Deve ter ido em algum lugar. Ele deixa as coisas tão organizadas. Queria ser assim! Se não fosse a secretária que meu tio paga (santa dona Elizete) eu não acharia um par de meias. Tess entra na cozinha novamente, usando óculos e com um livro nas mãos.
— Você quer sorvete? Eu comprei mais cedo.
— Tenho que terminar de comer antes disso.
— Aff! Você tem que parar um pouco pra comer! Existe uma função chamada modo de voo em todos celulares — ele olha pra cima e para por um instante — bem, quase todos.
— Eu sei, mas era uma orientação urgente! — Falo com a boca cheia.
— Tem batata palha na sua bochecha — ele começa a rir e se aproxima — eu vou tirar. Não se mexe — ele limpa meu rosto com um lenço de papel que estava na mesa. E fica um silêncio breve entre nós.
— Desculpa por ter quase te beijado... não deveria ter feito aquilo.
— Tudo bem. Estávamos um pouco sensíveis aos recentes acontecimentos. Então... eu vou pegar os copos de sobremesa ou prefere tomar sorvete direto da fonte?
— Direto da fonte! Por favor! Põe alguma coisa pra tocar também?
— Tudo bem! The Killers, pode ser?
— Spaceman?
— Minha favorita para os dias de faxina! — Tess dá play na música e começa a dançar engraçado.
— Cê tem uns parafusos a menos, não é guri?
— Às vezes bate uma loucura básica — ele põe o pote de sorvete de morango em cima da mesa — vou me sentar aqui e olhar sua pessoa terminar de comer.
— Já estou acabando — enfio umas duas colheres cheias de comida goela abaixo — pronto. Me dá esse sorvete aqui!
— Sem chances! Pede direito, rapaz! — Ele levanta o pote bem alto pra eu não alcançar.
— Ah! Me dá logo aqui! — Me levanto rapidamente, pego o pote e saio correndo pela casa!
— Não! Égua! Arranjei um irmão mais velho agora — ele fica estático e depois corre atrás de mim.
Não sei como descrever o que acontece. O quão bom ter alguém como Tess. Parece que tenho um irmão, um amigo, alguém para amar e não me importar com demais coisas. É um começo diferente.
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Ainda Sem Título
Romance[Finalizado] Estive pensando em várias coisas: meus relacionamentos falidos, minha mãe reclusa e principalmente o pai que nunca tive. Talvez em algum lugar nessa bagunça reste espaço pra por a cabeça no lugar e começar a arrumar tudo isso.