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Há quanto tempo tenho me sentido assim?
Incompleto
Rotineiro

Estou no escritório desde a manhã e estes pensamentos têm sido mais e mais recorrentes do que antes. Isso desde quando voltei a Belém. Penso nela. Como ela deve estar? Será que casou? Tem filhos?
O Telefone toca. Conrado. O que aconteceu com ele?
— Oi filho. Aconteceu alguma coisa?
— Tio — diz ele, aflito, pelo que percebo em seu tom de voz — ele me traiu tio! — Conrado começa a chorar — Acabei de descobrir tudo isso e estou indo pra casa — ele para por alguns segundos — não tem como voltar pro escritório agora a tarde.
— Tudo bem, filho. Pega um táxi se possível. Acho ruim a ideia de você dirigir nesse estado.
— Não precisa. Vou ficar bem. Tchau.
Ele desligou antes que eu pudesse me despedir. O que será que aconteceu com o Conrado? É melhor adiantar o serviço aqui e depois vou pra casa.

Deixa eu ver as horas. Quase uma da tarde. Puts! Esqueci de dizer pro Conrado que não tinha nada pra comer em casa. Melhor ligar e perguntar se ele quer comer fora, melhor, vou comprar comida japonesa. Ele vai querer comer sushi mesmo dizendo que está sem fome. Ligo para o restaurante e peço que entreguem a comida em casa. Ligo para o Conrado. O telefone toca e ele não atende.

Não sei o que é, mas algo me incomoda
Algo estranho e que me amedronta
Tento não pensar nisso

Pego a chave do carro e vou pra casa. Alguns funcionários do hotel já foram para o almoço e essa tarde não vai me exigir muito. Cumprimento alguns hóspedes no elevador. Cumprimento as recepcionistas. Pego meu carro e vou pra casa.

Quero vê-la tanto
Não sei como consegui passar tanto tempo
E ainda sentir o que sinto

Não costumo ser um cara que reclama ou está sempre pra baixo, mas hoje, parece que tudo está caminhando para algo mais tenso. Ligo o som do carro e escuto Legião Urbana. Lembro da nossa noite. Dois loucos e inconsequentes. Por uma noite. Será que tudo isso é em vão? Amava o seu jeito de dançar. Será que nada vai acontecer? Amava o jeito com o qual me olhava. Será só imaginação? Como fui perder você assim? Será que vamos conseguir vencer?
Chego em nosso apartamento e percebo que o Conrado ainda não chegou. Ligo rapidamente pro celular dele, mas ele não atende. Outra pessoa diz "oi" e a voz é calma.
— Oi? Você é parente do Conrado?
— Sim. Sou tio dele — respondo com um tom preocupado — aconteceu alguma coisa com ele?
— Sim. Mas ele está bem — a voz feminina e sua consegue me manter calmo — aconteceu um acidente e ele e eu estamos indo para o hospital para onde encaminharam o meu amigo que foi o mais atingido pela batida. O seu sobrinho está acordado e bem, mas não consegue falar direito, acho que está em choque...
A moça continua a falar. Eles estão na delegacia. Meu coração palpita. Pergunto para a moça qual hospital estão levaram o rapaz. Acerto alguns detalhes sobre isso e em seguida peço para minha secretária ligar para o hospital que os levaram.
Quero chorar. Mas não consigo. Tudo isso me aflige e fico por alguns minutos sentado no braço do sofá. Mais do que antes aquele sentimento se torna maior e não apenas por Conrado, mas algo além disso. Ligo para um velho amigo que trabalha no hospital para onde estão levando eles. Ele mora aqui perto e vai me dar uma carona até lá. Pego as chaves de casa e um dinheiro a mais no meu quarto.
Já dentro do carro e a caminho do hospital, conversamos. Isso me acalma um pouco. Mesmo me sentindo ansioso além do comum.
— Thulio, fica calmo — Humberto tenta me acalmar ao perceber meu semblante — já conversei com os meus colegas do hospital e o seu sobrinho está bem. Só o rapaz que sofreu algumas lesões, mas nada grave.
— Eu sei. Mas... estou preocupado e isso não quer passar. Não sei.
Coloco as mãos no rosto, curvo a cabeça e tento respirar e assimilar que tudo está bem. Mas o que é isso?
— Olha, eu tenho um calmante no meu consultório. Quando a gente chegar te dou um.
— Tudo bem, Humberto. Vou tentar ficar mais calmo. Mas, bem que você poderia mudar a música. Ninguém merece ouvir Djavan e está em meio a uma crise nervosa.
Humberto ri alto, em seguida troca pra uma estação de rádio e estava tocando alguma música em inglês. Deve ser alguma rádio pra jovens. A música tem um ritmo bom, mas não ajuda muito. Porém, o suficiente para me fazer rir um pouco das histórias engraçadas que o Humberto fala.
Chegamos ao hospital e sigo direto a recepção para saber como o Conrado está e as outras pessoas que sofreram o acidente. Até aquele momento, não sabia quem eram. A recepcionista me explica que meu sobrinho está na enfermaria e que a moça tinha acabado de sair.
Como deve estar esse rapaz? Fico me questionando enquanto caminho para a enfermaria. Parece que todos estão passando rápido demais por mim. Como se eu fosse um fantasma. Sensação estranha. Chego na enfermaria e Conrado está sentado olhando para algum lugar.
— Conrado?
— Oi tio — ele me olha com olhos brilhantes — me desculpe... — sua voz falha e começa a chorar.
Me aproximo e sento na maca — tudo bem, filho. Você está seguro agora e não aconteceu o pior com ninguém — ele põe a cabeça em minha coxa, acaricio seus cabelos. O que aconteceu com ele? Não sei o que seria caso acontecesse algo pior com Conrado. Eu prometi que cuidaria dele. Eu prometi.
De repente, abrem a porta e me sinto em um dejavu. Estava olhando para o meu irmão. Conrado se levantou rapidamente para olhar o rapaz. Ele estava dormindo. Algo em mim disparou quando o vi. Não sei o que é! Não sei... Conrado segura minha mão e mesmo com alguns machucados sorri.
— Ele lembra o papai, não é?
— Sim. É assustador.
— Vou falar com o Humberto. Depois volto. Como foi na delegacia?
— Tudo bem. Eu não quero sair daqui. Ainda estou tonto por causa do remédio e sobre o que aconteceu. Me disseram que ia demorar algumas horas até o efeito passar e ele pode acordar a qualquer momento.
Saio do quarto e volto a olhar para o rapaz. Vê-lo deitado acalma um pouco o que estava sentindo. Mas tudo parecia confuso e estranho ao mesmo tempo. Realmente preciso de um calmante. Pelo menos um bem fraco, embora não goste de tomar remédios.
Antes de chegar ao consultório, vejo Humberto conversando com uma senhora, fora da sala. Aproveito e faço um sinal assim que ele vira. Ele anda rápido ao meu encontro e me entrega um frasco com calmante que estava no jaleco.
— Esse não é muito forte. Tome e descanse.
— Obrigado, amigo.
— Ah, acabei de ver a...
Uma enfermeira o interrompe e ele me pede licença, pois tem uma paciente esperando. Digo que não tem nenhum problema e vou até a lanchonete do hospital comer algo e ligar para minha secretária. Uma fome louca me possui e percebo que não liguei de volta para o restaurante. Faço isso enquanto sigo para a lanchonete. Por sorte avisei o porteiro do prédio sobre a emergência. Peço desculpas à atendente e explico um pouco do ocorrido.
Fico assistindo televisão. Mesmo não ouvindo nada dela por causa do movimento de pessoas por alí. Uma mulher me chama a atenção. Ela parece ser conhecida, mas acho que o calmante não me faz relembrar de onde a conheço. Então fico olhando discretamente. Não quero parecer esses homens tarados de meia idade. Isso me faz rir um pouco. Comendo, lembro do rapaz na enfermaria e do dia em que vi meu irmão sendo internado por causa de uma pneumonia. Nossos pais não eram tão atenciosos, mas naquele dia, tudo foi posto à mesa e eles perceberam que poderiam nos perder.
O tempo passa e termino de comer. Coloco a bandeja no balcão e agradeço. Volto para a enfermaria. Quando entro no quarto vejo a mesma mulher que vi na lanchonete. Ela estava curvada acariciando o rosto do rapaz. Deve ser a mãe dele. Poderia ser a tia ou algo assim. Ela me parece familiar. Ela é alguém que conheci?

"Com licença?"
Nossos olhos se cruzam
"É você!?"
Diz ela

Ainda Sem TítuloOnde histórias criam vida. Descubra agora