A manhã passa voando após nossa volta de compras. A vó Cecília decide ir para o quarto dela depois do almoço, os empregados vão para suas tarefas e eu fico completamente só na imensidão dessa casa.
Caminho por vários cômodos até encontrar a sala de cinema e começo a assistir um filme aleatório da TV fechada. Pego no sono, na verdade. E quando dou por mim, Tetê está me chamando para comer um lanche. Decido aceitar e vou com ela até a cozinha.
São 18h e nenhum sinal da minha avó. Resolvo então dar uma volta. Me disseram que tem uma pracinha do condomínio no final da rua e resolvo ir até lá. Pego minha jaqueta de frio, luvas e touca (sim! Sou friorento).
Ao longo do caminho percebo que está escurecendo e as luzes dos postes começam a acender. De longe vejo a pracinha e foco no balanço. Não há ninguém pelo que percebo, até chegar perto e ver um rapaz alto e loiro treinando pênaltis sozinho. Tento não ser notado e nem olho muito em direção. Me sento no balanço e o frio do aço é amenizado pelas roupas. Apenas fico olhando pro alto e ouço The Neighborhood.
Infelizmente sou atingido por uma bolada na cabeça e caio no chão com o susto. O rapaz imediatamente corre pra me ajudar e eu estou muito PUTO!- Nossa, guri! Me desculpa - ele se aproxima e me ajuda a ficar de pé - eu errei o chute...
- Porra! Você errou o gol, mas acertou em mim! Seu... seu... - minha voz falha. Era o rapaz que vi passando em frente ao café, mais cedo.
- Nossa, me desculpa mesmo! - ele me olha e fica sem graça - Me desculpa, mas eu acho que te vi mais cedo, com a Cecília.
- Você conhece minha avó? - arrumo a touca na cabeça e começo a me limpar - Isso explica a pergunta dela...
- Que pergunta? - o rapaz vai até a bola e a segura do lado do tronco - Eu pensei que só o Conrado fosse neto dela.
- Longa história, mas enfim...
- Você tem um sotaque fofo - ele ri - fala arrastando.
- Ah... - sinto minhas bochechas corar - sou de Belém.
- Tá explicado! - ele olha para os lados - meu nome é Lucas. Moro naquela casa alí - ele aponta para uma mansão com uma faixada de plantas e de cor bege.
- Que linda! - fico de boca aberta - Meu nome é Tess.
- Tess? - faço sim com a cabeça respondendo ao Lucas - Que diferente! - Ele sorri e meu Deus, que sorriso! - Gostei do nome.
- Obrigado... então. É melhor eu voltar pra casa...
- Não! - Eu me assusto e e ele percebe - Desculpa, mas se você quiser, eu posso te oferecer um café. Te derrubei do balanço. É o mínimo.
- Eu aceito - fico sem jeito, mas me sinto tão a vontade com esse cara - amo café. A gente se vê então. Você pode passar na casa da vó Cecília...
- Eu pensei de você ir agora - ele me interrompe - minha casa é aqui e você é vizinho. Não é sempre que conheço um vizinho tão legal como você.
Fico sem jeito e depois de muita insistência, aceito o convite. Ele fica bem feliz e percebo que um pouco vermelho. Não sou muito bom em flertar, mas nesse momento eu só consigo conversar naturalmente. O Lucas me pergunta sobre como são as coisas em Belém e principalmente sobre a comida e lugares.
Entramos na sua casa e é tão fabulosa quando é a faixada. Pé direito alto e móveis bem organizados e em tons neutros. Uma lareira bem grande na sala e sofás enormes. Tudo alí cheira a riqueza. Ele me pega pelo ombro e certo momento e me conduz até a cozinha. Perfeita! Móveis planejados e uma mesa grande onde ele pede pra que eu fique enquanto faz o café.- Não tem mais empregados depois das 18h - ele diz enquanto põe a chaleira no fogo - mas me diz, como anda o Conrado? Eu soube que ele estava noivo e eles se desentenderam.
- Ah... eu não vejo meu primo há uns dias. Acho que ele está bem.
- Entendo. Bem. Eu acho que ele e o Afonso vão reatar - Lucas pega um coador de plástico, filtro de papel e duas xícaras grandes -principalmente, porque eles sempre se amaram muito. Acho difícil uma relação de cinco anos acabar tão assim.
- Eu só sei que o noivo dele o traiu - digo sem pensar duas vezes. E depois me calo, percebendo ter feito uma burrada.
- Não fique assim! - ele se aproxima e me oferece chocolate - eu estudei com o Conrado. Mas nunca fomos amigos, só conhecidos. E o Afonso é amigo de uma amiga...
- O que você quer dizer com isso?
- O boato é que o Afonso realmente quer ficar com ele. E se o Conrado perdoar ele pelo que fez. Talvez o casamento deles não seja perdido.
- Talvez seja isso - fico quieto por alguns segundos até que Lucas senta em minha frente.
- Você ficou sério falando sobre isso.
- É que conheci meu primo depois dessa situação - olho direito nos olhos do Lucas e me sinto tão confortável pra falar. Digo a história desde o começo, da mãe e do pai, do acidente, da nossa vinda pra cá. Nesse espaço de tempo, Lucas preparou o café e depois conversamos sobre coisas da faculdade.
Somos interrompidos por uma senhora muito bonita, Maria Eduarda, mãe do Lucas. Ele me apresenta a ela como um amigo e não menciona sobre minha avó. Ela não demora muito na cozinha e se retira.
- Nossa! Já são quase oito da noite!
- Lucas se espanta e eu também.
- Agora eu preciso ir, de verdade!
- Eu te acompanho até a porta - nos levantamos ao mesmo tempo e Lucas me acompanha até a entrada da sua casa - foi muito bom te conhecer, Tess.
- Eu digo o mesmo. Você vai no jantar da empresa? - pergunto na esperança de ouvir um sim.
- Bem... eu não trabalho no grupo Donadoni. Talvez meus pais irão, mas eu não sou muito dessas festas.
- Ah, eu entendo... - escorrego no degrau da entrada e sou aparado no momento pelo Lucas.
- Opa! Não vou te deixar cair! - Ele ri e posso sentir o calor do seu corpo e o hálito de café.
- Obrigado - sinto que vou explodir de vergonha.
- Você é bem desastrado - nos olhamos diretamente nos olhos. Sou bem pequeno perto do Lucas, que deve ter 1,85 de altura.
- É culpa sua! - começo a rir.
- Não vou deixar mais você cair, mesmo que... - ele se cala e fica vermelho - nossa! O que estou dizendo?
- Não sei...Eu gostaria de saber o que está acontecendo aqui.
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Ainda Sem Título
Romance[Finalizado] Estive pensando em várias coisas: meus relacionamentos falidos, minha mãe reclusa e principalmente o pai que nunca tive. Talvez em algum lugar nessa bagunça reste espaço pra por a cabeça no lugar e começar a arrumar tudo isso.