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Havia apenas um silêncio
Estava tudo escuro
Até que os ruídos me despertaram

Acordo e meus olhos ardem por causa do clarão das luzes. Estou em uma enfermaria de algum hospital. Pelo local, deve ser um hospital particular. Um rapaz está na cadeira ao lado, está acordado, olhando para a janela. Mal posso o ver, mas aos poucos, meus olhos se adaptam a luz. Ele tem uma aparência física atlética, sua pele é clara tanto quanto a minha, seu rosto tem uma marca roxa do lado esquerdo e um curativo perto dos lábios. Ele olha para mim. Eu estava o observando e me sinto acanhado por causa disso.
- Você acordou - diz o rapaz - que bom... - Ele torna a olhar para o lado como se estivesse com vergonha.
- O que aconteceu? Tento levantar e sinto uma dor no meu braço. Gemo. Então percebo que meu braço direito está enfaixado e minha perna com alguns curativos e minha calça cortada na altura dos joelhos- Droga! O que aconteceu? - Digo assustado.
- Você não consegue se lembrar?
- Não! - Respondo de forma irônica - Claro que sei. Só acordei em uma enfermaria sendo que estava no carro com minha amiga. Acho que me teletransportei para cá! Cadê a Rafaela? O que aconteceu com ela?
- Sua amiga está bem. Ela volta ainda hoje - Responde o rapaz ainda com vergonha.
- Me conta o que aconteceu - consegui ficar sentado de frente para o rapaz - Não consigo lembrar. Minha cabeça dói quando tento lembrar - digo em um tom manso. Quem sabe assim ele desembucha!
- Eu... - ele para por uns segundos e respira fundo - Algumas pessoas tem certas crises nervosas. Eu sou uma dessas pessoas. Mas acabei tomando mais remédio do que de costume - Ele suspira. Acho que ele quer chorar - porque queria esquecer o que tinha acontecido. Que tinha sido traído. Perdi o controle do meu carro e acabei... batendo no carro de vocês.
- Então foi isso o que aconteceu? - Mordo meus lábios e me levanto da maca. Consigo andar com dificuldade até onde ele está e me sento do lado dele. O rapaz ficou espantado - Não se sinta culpado pelo o que aconteceu. Você estava em um momento difícil e eu também. Entendo você. Às vezes ferimos as pessoas sem intenção, outras, como no seu caso, ferimos porque não sabemos nos amar e nem amar a quem nos quer bem.
Ele me olha sem resposta alguma e começa a chorar. O abraço. Ele fica ali, chorando, soluçando e me pedindo perdão por ter me machucado. Acaricio seus cabelos pretos e macios. Fecho meus olhos e algumas lágrimas caem. Aos poucos o choro foi amenizando e nos soltamos do abraço. Ele me olha como se eu fosse uma pessoa que não existisse, irreal, um alienígena.
- Obrigado - diz o rapaz com um sorriso sem jeito - eu precisava disso.
- Disponha - respondi com um belo sorriso estampado no rosto e depois volto para a maca mancando. Ao perceber minha dificuldade em andar ele se levanta para me ajudar a sentar na maca. O que foi bom, pois eu estava totalmente dolorido. Ele volta para o seu lugar e continua a assistir televisão, como se o que houvesse acontecido aliviasse um peso enorme sob seus ombros.
Lembro da minha mãe... não sei se ela havia recebido a notícia de que eu estava internado. Provavelmente estava trabalhando. Pelo programa de auditório que o rapaz ao lado estava assistindo, deveriam ser por volta das dezessete horas. Restava esperar mais um pouco para ela chegar e me olhar com aquela cara fria e me dizer: "Você precisa ir para casa preparar o jantar". Fiquei observando aquele rapaz e logo em seguida adormeci.

Dormi por algum tempo
Foi breve
Acordei e havia duas pessoas conversando
Na verdade, discutindo
Enquanto meus sentidos despertavam
O rapaz me olhava com espanto
Notei de quem era uma das vozes
Minha mãe, Ananda

- Chega! Cansei das suas desculpas Thulio! Você e sua família só fizeram mal ao meu filho e a mim! - Me assusto ao ouvir minha mãe me defendendo daquela forma, era a primeira vez que ela fazia algo do tipo. Sempre quis que eu fosse forte e pudesse ser capaz de resolver minha vida respeitando as pessoas e sendo independente de outras.
- Eu não consigo entender que mal que eu fiz para vocês dois! - Diz o homem se defendo - Eu nunca soube!
- Você sabia! - Minha mãe aponta o dedo em direção a algum lugar e continuou a falar quase chorando - Sua mãe me disse que tinha contado para você e ela disse com todas as letras que - ela o acusa com o dedo no peito dele - vocês não queriam uma criança, filho de qualquer uma!
- Por Deus Ana! - O jovem senhor começa a chorar perplexo com aquilo tudo, põe as mãos na cabeça e se senta em uma poltrona na enfermaria - Eu juro que não sabia! - Ele chora e repete essa frase - Como puderam fazer isso comigo?
Naquela altura da discussão eu havia percebido o que estava acontecendo: o rapaz que estava comigo estava com uma cara estranha; minha mãe nota que acordei e vem em minha direção chorando, ela me abraça e me beija na testa; Thulio levanta a cabeça e me olha com o olhar que eu sempre quis receber: o olhar de um pai.
- Mãe... - eu tento falar quase sem forças e com um nó na garganta. Mas resisto - Ele... ele é o meu... pai? - Meus olhos se enchem de lágrimas e ignoro a dor, sento na maca, mesmo minha mãe pedindo para eu não me esforçar.
- Ele é o seu pai - responde ela, olhando para ele - fomos enganados esse tempo todo - ela levantou a cabeça e caminho em direção ao meu pai - Thulio, esse é o Tess, nosso filho.
Meu pai se levanta da poltrona e olha pra mim e depois para o rapaz que estava emocionado. A cada passo que dava, ele chorava mais e mais. Eu também choro. E enfim, pela primeira vez, sinto o abraço de um pai.
- Se eu soubesse antes - ele diz pra mim - eu nunca teria abandonado vocês! Nunca! Nunca!

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