Zahra lembrava cada detalhe do dia em que conheceu Adeel. O cheiro doce de toranja de seu perfume, as risadas e as incríveis histórias que ele contou sobre o País 5. Fechava os olhos e via os dois sentados juntos no banco do pátio durante o intervalo observando o prédio do Conselho, a pirâmide espelhada, que era o símbolo de Zat. A dupla faixa branca, formada pelos anéis do planeta, cortava o céu azul e contrastava com o sol vermelho naquela tarde quente. Recordou que foi naquele dia que ela decidiu ser qualquer coisa, desde que isso permitisse ficar junto a Adeel para sempre. Foi assim que entrou para a força aérea siônica; para ficar perto do seu grande amor.
A Capitã da Enir-7, uma espécie de ônibus espacial, precisava repassar aqueles momentos para convencer-se a levantar toda manhã. Agora que Adeel estava morto, ela tinha dificuldade em saber por que continuava naquela velha nave. O espaço não parecia mais tão interessante sem ele. Sorte que iria se aposentar assim que voltasse à base de Zandrar.
- Capitã Zahra - berrou uma voz masculina metálica de um alto-falante em cima de sua mesa de cabeceira -, estamos nos aproximando de Lefter.
- Não estou com paciência para essa merda. Faça você mesmo o teatro.
- Sim, senhora - a voz pareceu desanimada.
Deu uma última olhada no espelho, tão grande que parecia ampliar o pequeno cômodo de paredes brancas. Os cabelos grisalhos estavam se alastrando e as rugas já haviam se estabelecido ao redor dos olhos negros. Tentou simular um sorriso, mas seu rosto já rejeitava o gesto, que não fazia há vinte anos. Pegou um frasco branco e cilíndrico da primeira gaveta, encarou o objeto por alguns instantes, como se decidisse se aquilo era o que realmente deveria fazer, e despejou alguns comprimidos na boca, cerrando os olhos com força no momento em que passaram pela garganta. Aquele lugar sempre trazia lembranças tristes.
A aterrissagem em Lefter foi bem tranquila e Zahra fez questão de pousar do jeito que sempre gostou: modo manual, sem nenhum auxílio dos equipamentos. Era o seu jeito de dizer que não precisava de nada, nem de ninguém. O clima daquela lua era sempre estável e facilitava o processo: sol, sem nuvens e leves chuvas noturnas para refrescar. As praias e diversas florestas aqueciam o setor de turismo ecológico e, consequentemente, rendiam lucros extras para a Força Aérea, que fazia o transporte exclusivo de passageiros ricos para lá. Zahra sempre preferia permanecer na nave enquanto seu imediato, Paki, conduzia os passageiros, na maioria políticos e aristocratas, para a área de desembarque. A Capitã não via a hora de voltar para casa.
Olhou pela janela da cabine e contemplou o final do eclipse solar, quando Éo criava uma sombra e tapava o sol por algumas horas, algo que acontecia com certa frequência naquele satélite. Isso já não parecia tão bonito depois de visto mais de cinquenta vezes. No entanto, mesmo não sendo novidade, uma lágrima solitária insistiu em escorrer do seu olho esquerdo. Lembrou que tinha visto esse fenômeno pela primeira vez quando Adeel a pedira em casamento há 21 anos. Por que ainda não me acostumei com isso?
- Capitã - interrompeu uma voz feminina, enquanto Zahra secava a lágrima.
- O que foi desta vez? - lançou um olhar fulminante para a tripulante jovem e loira que aguardava com os olhos verdes arregalados na porta da ponte de comando.
- Os passageiros já desembarcaram e a Nave já está abastecida - a menina sequer olhava para a Capitã. - Paki gostaria de saber a que horas deseja decolar.
- Vamos partir imediatamente. - Colocou os fones de navegação e começou a apertar os botões de diagnóstico da nave. - E peça para o Paki vir aqui.
- Sim, senhora - respondeu ao se encaminhar para a porta, mas parou de repente. - Capitã, só mais uma coisa.
- O que foi, garota? - gritou desta vez. - Já dei minha ordem.
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VIA MATREA: Lua de Sangue
Science Fiction"Recomendo demais gente, seríssimo, esse foi um dos melhores livros de autor nacional que li, e com certeza entrou para os meus favoritos do ano" Blog KnowneWorlds Sinopse: Zahra está destruída por dentro desde qu...