Olhou a foto de quando era jovem e bonita por alguns minutos, e encarou a sua imagem no espelho; os cabelos estavam brancos e a pele refletia todo o sofrimento daqueles anos sem o seu amor. Era uma piada de mau gosto, como se o destino tivesse lhe pregado uma peça cruel. O que o espelho não conseguiria refletir, mas todos sabiam só de olhar para ela, era que a Zahra de anos atrás havia morrido e dado lugar a essa casca seca, sem amor, sem emoções e sem coragem. Estava morrendo de medo de encarar o homem que acabara de resgatar.
Paki já havia lhe explicado sobre o lapso temporal. Seu antigo noivo estava como há vinte anos, jovem e belo, e ela tornara-se uma coisa feia e decrépita. Tinha de voltar a comandar a sua nave, mas como encarar aquele Adeel? Não tinha nada a oferecer para ele. Era isso. Estava tudo acabado.
Pegou um pequeno cilindro de alumínio que estava escondido num fundo falso em sua gaveta, despejou um pó verde em cima do criado mudo e formou uma pequena linha com auxílio do seu cartão de identificação. Isto vai me dar coragem pra encarar esse fantasma.
— Relatório da missão — gritou a Paki assim que entrou na ponte de comando e assumiu a cadeira principal.
— Senhora — Paki se aproximou e cochichou em seu ouvido —, o Major Adeel está na enfermaria.
— Relatório! — gritou com os olhos esbugalhados.
— Sim, senhora — abaixou a cabeça. — Saímos do Planeta desconhecido ao resgatarmos o Major Adeel, que estava soterrado nos escombros. Demoramos dois dias para alcançar a Lua de Sangue deste sistema, pois a gravidade do buraco negro exerce uma força contrária descomunal sobre a nave. Estamos terminando as análises, e discutíamos sobre como abordar a fissura quando a senhora chegou.
— Alguma resposta de Sion?
— Nenhuma — respondeu Paki. — Parece que a comunicação pelo portal é uma exclusividade da tecnologia alienígena.
— Algum sinal dos caras?
— Nada. Tudo indica que eles abandonaram este sistema há pouquíssimo tempo. O Major Adeel tem uma teoria de que estariam orquestrando um novo ataque a alguma de nossas colônias.
Zahra permaneceu quieta. Não queria ouvir aquele nome. Mentira. Queria saber tudo o que acontecera com o seu amado. Queria beijá-lo e abraçá-lo como há vinte anos.
— Não é uma teoria — a voz conhecida cruzou o peito de Zahra como uma flecha. — É uma certeza que ainda não posso provar, Paki.
O Major estava sentado, sorrindo, na cadeira de rodas que era empurrada por seu amigo Jad.
— É claro, Major Adeel — o imediato riu sem graça e retirou-se, cedendo o seu lugar, ao lado da Capitã, para o jovem oficial. — Não quis ser rude.
— Relaxa, Paki. Eu não fiquei chateado — Jad ajeitou a cadeira ao lado de Zahra. Ela não conseguia olhar para ele. — Era o nosso sonho, lembra? Comandarmos uma missão juntos — sussurrou para que apenas a Capitã ouvisse.
Paki, Jad e Adamma apressaram-se em esvaziar a Ponte de Comando para que os dois conversassem a sós.
— Eu não tenho mais os mesmos sonhos, Adeel — uma lágrima caiu de seu olho. — Eu nem sei mais se consigo sonhar. Não sou mais a garota que você conheceu.
— Está brincando? — respondeu com os olhos marejados. — Eu estou vendo a mesma menina respondona que conheci na escola. A mesma menina que eu pedi em casamento durante o eclipse em Lefter. Você disse que me amaria pra sempre.
— Como você pode amar isto? — apontou para si mesma. — Eu estou acabada. Tenho 51 anos e um coração infartado. Você é um herói, um sobrevivente. Tem um futuro pela frente e não pode perder seu tempo com uma velha — levantou-se da cadeira e fugiu correndo em direção à sua cabine.
— Zahra! — gritou. — Zahraaaaaa! — Ela já havia ido embora.
Adeel chorou sozinho, sem entender como a sua vida mudou tanto em apenas doze dias. Sentia um bolo na garganta e as lágrimas escorriam em grande quantidade pelo seu rosto. Nem em seus maiores pesadelos seria capaz de imaginar um destino tão cruel. Perdeu o seu grande amor de duas maneiras: uma porque não era mais ela e outra porque não o queria mais.
Percebeu que uma luz amarela e intermitente acendeu no painel; uma mensagem de Sion. Finalmente.
Os olhos ainda molhados estavam agora arregalados em horror.
— Paki, vamos embora — chamou pelo comunicador. — Sion já foi atacada.
Leia Também:
VOCÊ ESTÁ LENDO
VIA MATREA: Lua de Sangue
Science Fiction"Recomendo demais gente, seríssimo, esse foi um dos melhores livros de autor nacional que li, e com certeza entrou para os meus favoritos do ano" Blog KnowneWorlds Sinopse: Zahra está destruída por dentro desde qu...