A comunicação com Enir-7 foi perdida há quase um ano. O último relatório dizia que o sinal de SOS que foram investigar falava sobre a fissura magna como ponto de origem e, depois disso, desapareceram. Uma Sentinela chegou a ser enviada para as redondezas de Seúra, mas não encontrou nada além de assinaturas de calor indefinidas. O Conselheiro Enu estava impaciente e cheio de toda a pressão que os colegas faziam para que anunciasse logo o sumiço da nave. Era, definitivamente, um golpe poderoso contra a autonomia da Força Aérea Siônica, que já era duramente criticada pelos empresários, por conta do monopólio que exercia nos transportes interestelares. Acho que não resistiremos a isso, Bordor, pensou alto enquanto fazia carinho em sua mascote de estimação, uma bela Faniccia, grande ave de penas vermelhas e bico negro, que capturou em uma de suas viagens de caça ao País 20. Era extremamente rara e, segundo as tradições, trazia sorte a quem a possuísse. Não parecia ser o caso naquele momento.
O senhor alto, de cabelos brancos, bem armados, e pele pálida, caminhou pelos corredores de mármore negro do último andar do prédio do Conselho. Algumas esculturas de metal cinza, com guerreiros e suas lanças antigas, adornavam as paredes escuras no caminho, criando um efeito assustador em quem passava por ali. Eram obras dos artistas do leste, do Continente de Opka. Enu foi insistente contra a decoração bizarra, mas os outros conselheiros insistiram que aquilo contribuiria, de alguma forma, para a integração planetária. O País 5 era a capital do mundo e a Pirâmide de Zat, sede do Conselho, deveria representar as expressões culturais de todos os países.
Chegou ao Salão Principal, vazio àquela hora da noite, onde era possível ver o pico da pirâmide pelo lado de dentro. Era translúcido e permitia observar o céu noturno como se estivesse dividido em quatro partes, devido ao efeito óptico que os ângulos das arestas causavam. Naquela noite, o céu estava bem limpo, mas apenas Apok brilhava, amarelada, no firmamento. A faixa anelar, branca azulada, parecia encostada no satélite, por causa da sobreposição. Ao olhar para frente, Enu viu Zat em toda a sua simplicidade. Era a sua tela favorita. Ficava em um grande vale, cercado por montanhas. As quadras com as casas iluminadas se dispunham de maneira que as ruas formavam triângulos em torno do prédio do Conselho. Mais afastado, para além dos Montes de Tagamitas, ficava o Complexo Educacional, uma edificação imponente onde estava a escola que formava os cidadãos, além da Biblioteca e do Centro de Estudos. Desde que assumiu o comando da Força Aérea, Enu não passara um dia sequer sem prestigiar aquele cenário. Doía saber que não desfrutaria mais daquele lugar. Nunca vou me acostumar.
Sua secretária preparou-lhe um belo discurso, em que faria a declaração do desaparecimento da Enir-7 e, logo depois, renunciaria ao cargo de Conselheiro. Abriu o papel e leu o texto mais uma vez. Era extremamente difícil não se emocionar com as palavras bem lapidadas da senhora Drebita. Lágrimas caíram de seu rosto enrugado ao ler a última frase. Dobrou o papel e guardou-o no bolso do seu casaco azul-escuro. Ainda havia tempo para admirar um pouco mais aquela vista maravilhosa.
VRUMMMM! Um tremor leve, quase uma vibração, de cerca de três segundos atingiu o Vale. Todas as casas e prédios caíram em escuridão. A luz de Apok, naquela fase, não era suficientemente forte para iluminar Zat.
Precisava fazer alguma coisa. Ainda era o chefe maior da Força Aérea Siônica. Enu pegou seu comunicador e viu que ele estava totalmente apagado. Um clarão amarelo surgiu no horizonte. Parecia que algo havia explodido na altura da Base de Lançamentos. Isso não é possível.
Milhares de luzes no céu, que a princípio pareciam estrelas, começaram a se movimentar e a ficar cada vez maiores. Nuvens densas se formaram, cobrindo totalmente a visão do topo da pirâmide. Trovões avermelhados completaram o sinistro show de luz e som. Em menos de cinco minutos, todo o firmamento estava coberto por aquela tempestade estranha. Enu não sabia como se comportar numa situação daquelas. Resolveu correr até o abrigo subterrâneo, construído na época da Grande Invasão em caso de uma possível batalha urbana, mas foi surpreendido pelo espetáculo mais assustador que já presenciou: um objeto voador gigantesco, que cobria quase toda a área de Zat, revelou-se entre as nuvens carregadas. Uma imensa nave triangular, iluminada por raios vermelhos, provenientes da tempestade que ela mesma produzira, posicionou-se exatamente acima da cidade.
Um bolo se formou na garganta do conselheiro. A cabeça começou a pulsar em uma dor alucinante. Tinha certeza de que a sua pressão arterial havia aumentado. Isso sempre acontecia quando estava nervoso ou quando não tomava os seus remédios. De repente, uma voz bem clara vinda de dentro de sua cabeça falou calmamente no dialeto comum:
— Cidadãos de Sion, não resistam, ou usaremos força letal.
Enu conhecia aquela voz. Só não se lembrava de onde. O aviso se repetiu mais duas vezes. Uma luz azulada clareou de repente o ambiente, como se tivessem acendido algum tipo de lanterna. O calor era insuportável. Olhou para cima e viu uma esfera luminosa crescer lentamente na parte de baixo da estranha nave. A temperatura estava cada vez maior. Não era possível escapar daquilo. Não temos chance.
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