Ohm era a cidade central do País 3. Sua cultura se diferenciava do resto do Continente Jommo, visto que eram extremamente intolerantes com qualquer agressão à natureza. A arquitetura era integrada à Floresta Rubra, um bioma denso de árvores gigantescas com folhas vermelhas, que cobria quase toda a área daquele país. Era impressionante ver as residências e prédios de fibra sintética bege misturados aos troncos marrons formando um aglomerado único de casas de árvore. Grandes pontes modernas interligavam um tronco ao outro e ofereciam mobilidade nas alturas. Algumas construções tinham até quatro andares. Um sistema de transporte sobre trilhos também funcionava ali, atravessando túneis nas árvores e integrando regiões mais distantes. Há quem diga que se pode passar a vida inteira em Ohm sem nunca ter que pisar no chão.
Sua organização social e sua política eram independentes do Conselho Central. Nos outros países, as pessoas costumavam comentar que seus habitantes eram imprevisíveis, pois para eles nada era mais importante que a liberdade. O Conselheiro Enu já havia tentado, de diversas formas, estabelecer algum tipo de controle sobre eles, mas nunca obteve sucesso.
Denk, um senhor de olhos puxados e cabelos grisalhos curtos, de aproximadamente 77 anos, observava de perto a estátua de mármore negro de três metros de altura no centro da Clareira, uma área desmatada com cerca de cinquenta metros de largura, que ficava no centro de Ohm. Era uma espécie de praça central da cidade, de onde se podia ver o céu sem as copas das árvores para atrapalhar. Ali também aconteciam as reuniões públicas, nas quais os representantes da Câmara do Povo decidiam assuntos importantes. Naquela noite, infelizmente, as nuvens cobriam o firmamento, e provavelmente iria chover.
— Olá, meu filho — falou o homem para a estátua. — Hoje faz exatamente 21 anos que eu não te vejo. Desculpa não ter vindo antes, mas eu ainda estou trabalhando naquele projeto que te falei. Acho que falta pouco agora. Sua mãe não quis vir desta vez. Ela não se sente muito bem ao ver esta estátua gigante. Eu até entendo, mas fique tranquilo que eu sempre virei te ver — retirou os óculos para secar as lágrimas que começavam a escapar. — Eu sinto tanto a sua falta. Todos sentem. Eu não deveria ficar sem meu filho tão cedo. Era você quem tinha que me enterrar, e não o contrário, mas você nunca foi de seguir as regras, né? — soltou um riso contido. — Virou Major aos 26 anos. Todo mundo na Força Aérea ficou maluco. Ficavam se perguntando: quem é esse cara pra dar ordens assim? — movimentou a cabeça em uma negativa. — Não acredito que você se foi. Sei lá. Eu sinto aqui dentro que você está vivo em algum lugar, só esperando pra nos dar um susto e dizer que tudo não passou de uma brincadeira. Eu tentei falar com a Zahra, mas ela não me atende há anos. Acho que não quer falar mais conosco. Ela está bem. Soube que continua pilotando e é Capitã da sua própria nave.
Um forte flash azul antecedeu o som do trovão. O velho engenheiro olhou para trás, para o centro da Clareira, onde ficava um imenso para-raios ligado ao minério numerílio, que sempre existiu naquela parte do subsolo. Denk foi o responsável pelo projeto. O numerílio tem capacidade de reter carga elétrica por longos períodos de tempo, e também atrai raios para aquela região da floresta. Logo o para-raios capta a descarga e o minério a retém. Milhares de sensores no subsolo captam a energia, que passa por um estabilizador e, em seguida, abastece a cidade. Um único raio é capaz de fornecer energia para todos os moradores por cerca de uma semana.
— Filho, papai tem que ir, mas ano que vem eu volto pra termos mais uma...
VRUMMMM! Um tremor leve o interrompeu e fez a estátua balançar. Em seguida, todas as luzes da cidade se apagaram.
Denk olhou para o céu. Um leve sorriso surgiu no canto de sua boca.
— Chegou a hora de pegar esses desgraçados — foi a última coisa que disse antes de partir para o subsolo.
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