Paracetamol

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Eu sei o que tá acontecendo. Eu sei muito bem o que tá acontecendo. Passou da hora de tomar o remédio e eu dormi. Eu dormi e passou da hora de tomar o remédio. Passou da hora de tomar... aff eu entrei em loop de novo! Agora essa maldita febre! É só uma virose! Será que todo dia vai ser sempre assim? Será que todo dia vai ser sempre assim? Odeio Jota Quest! Quem salvou isso no meu celular? Vou matar a Dorinha! Preciso levantar e tomar a porcaria do antitérmico. Preciso acordar e tomar a merda do paracetamol. Pára cê tá mal. Sua louca. Acorda. Levanta. Desliga esse celular. Toma esse remédio. Esse delírio vai passar depois da febre. Toma o remédio e volta a dormir. O dia amanhã começa cedo. Sete e quinze eu acordo e começo a me lembrar... Pombas! Eu dormi e esqueci o player do celular ligado! Por que que tá tocando Jota Quest? Eu nunca baixei isso pra minha playlist! Amanhã vai ser chapa quente. Tá aqui o Paracetamol! Achei! Debaixo do fogão! Que disgrama! Como isso veio parar aqui? Eu mato a Dorinha. Agora a água. Abrir a geladeira e pegar a garrafa de água. Tô suando debaixo dessa coberta. Bosta! Nem levantei ainda. Tava sonhando com o paracetamole debaixo do fogão. Odeio febre a noite. A gente fica delirando. Cabeça fica voltando nas mesmas ideias. Você sonha e pensa que é verdade. Levanta, mulher. Se você não tomar o remédio a febre não vai passar. Amanhã é um dia tenso. Tem que voltar lá no IML. Testar a nova hipótese. Tem que ver se o velhote tinha mesmo a tatuagem atrás da orelha. Se tiver, pimba! Caso desvendado! Ele era mesmo o assassino e não a vítima final. Matou todo mundo e se matou por último. Quer dizer, penúltimo. Planejou uma morte ainda pra depois da dele. Pega o remédio. Toma e volta a dormir. Desliga o Jota Quest. Cadê o celular? Acabou o Jota Quest. Musiquinha chata! Achei o remédio. Na caixinha dentro do armário. No lugar certo! E eu aqui culpando a pobre da Dorinha. Copo de água. Pega no filtro. Gelada vai doer mais a garganta. Minha garganta estranha quando não te vejo. Eu não tenho essa música no celular. Como ela foi parar aí? Dorinha, sua filha da mãe! Pelo menos eu gosto dessa música. Por que que eu ainda não desliguei esse telefone? Onde ele tá? Onde que eu deixei? Aqui. Debaixo da coberta. Desliga! Não tá desligando! Droga! Ainda tô sonhando! Não saí de debaixo da coberta! Nem tomei o remédio! Cadê o celular? Venho madrugada perturbar teu sono, como um cão sem dono me ponho a ladrar. Essa mulher canta muito. Ainda vou cantar muito que nem ela. Fazer sucesso. Vou largar esse emprego de merda. De onde eu tirei a ideia de ser investigadora? Bosta de vida! O povo assiste CSI e acha que aquilo é bom! Vim parar nessa cidade por força da circunstância... Porra! Cadê o telefone??? Levanta! Vai buscar o remédio! Pára esse comprimido de Tomacetamol. Não dá pra matar serviço amanhã! Tenho que estar bem daqui a pouco, quando o despertador tocar. Amanhã é chapa quente. Amanhã eu desvendo esse serial killer de merda. Tenho que estar sete e meia ali no ponto de ônibus. O Grilo vai passar com o carro oficial pra me levar pra conversar com o legista. Tenho que ver atrás da orelha do presunto e preciso confirmar a hora da morte de novo. Achei o Paracetaquente! Toma que a febre vai passar! Peraí, por que esse comprimido tá verde? Será que tá vencido? Paracetaverde! Não. É a cor dele mesmo. Se as propriedades organolépticas da matéria não estiverem comprometidas, então tá tudo bem. Não era isso que a professora Gertrudes ensinou no ensino médio? Mas a cor é propriedade organoléptica? O que que é propriedade organoléptica? Espera. Gertrudes não era professora de inglês? Química era o Carlos Baby. Se a tatuagem estiver mesmo lá atrás da orelha, então é o mesmo velhote que eu abordei lá em frente à rodoviária. Mas se ele morreu antes do meio dia não é ele. Deve ser algum irmão. Esses caras dessa seita satânica se parecem muito uns com os outros. Se parecem tamol. Peraí. Isso aqui não é Paracetamol. É Valerimed. E tá vencido mesmo! Ainda bem que não coloquei na boca. Olha ali o paracetavelho debaixo do fogão. Bosta! Ainda tô deitada. Tava sonhando. Odeio esses delírios de febre. Ainda bem que eu moro sozinha. Ainda bem que a Dorinha não veio pra cá hoje. Eu não posso ficar me sujeitando a trabalhar até tarde no relento. Eu sou muito boazinha com o inspetor, fico aceitando essas horas extras absurdas. Mas não sou beata, me criei na rua. Meu Deus! Esse telefone não acaba a praga dessa bateria? Levanta. Vai pegar o paracetatarde. Daqui a pouco deu a hora de levantar de vez. Ouço passos na escada. Nem precisa levantar, o remédio tava aqui no criado mudo esse tempo todo. O abajur cor de carne! Porra, Dorinha! Eu te mato. Pra que que você foi salvar essas músicas no meu telefone??? Paracetamol xarope? Isso é Cataflan! Menina veneno, você tem um jeito sereno de ser. Nunca mais eu fico até tarde no sereno. Como é que uma menina de quatro anos consegue baixar música pro telefone com essa facilidade? Levanta. Olha ali, o remédio tá mesmo debaixo do fogão. E tá verde. Vou morrer envenenada. Menina veneno. Achei a merda do telefone. Tava no bolso do pijama o tempo todo. Desliga essa praga. Não tá desligando. Eu ainda tô deitada? Oh, miséria! Vai dar seis e meia e eu não consigo acordar direito. E eu não consigo dormir direito. Menina venenocetamol. Que sede. Que febre. Se eu faltar amanhã, pra piorar eles vão passar meu caso pro Norton concluir. Aquele merda. Peraí, eu comprei o Paracetamerda? Ele acabou ontem. Odeio o Norton. Ele fede, aquele incompetente. O mundo é pequeno demais pra nós dois. Comprei sim! Ontem à noite. A farmácia ainda estava aberta quando eu desci do ônibus. Guardei lá no espelho do banheiro. E em toda cama que eu durmo só dá você. Tá aqui. No espelho. Quem é você no espelho? Paracetapálida. Paracetagorda. Toma logo esse remédio. Meu Deus. Eu tô bebendo água da torneira. Dane-se. Pelo menos a febre pára. Aaaaaaaah, tomei o dito cujo!!!! A febre vai passar. Você está curtindo Cidade Madrugada, noventa e seis FM. Duas horas de flashback sem intervalo comercial. Caramba! É o rádio! E eu culpando a pobre da Dorinha. É deserto, onde eu te encontrei. Agora eu melhoro. Durmo e acordo bem. Se a tatuagem estiver lá mesmo, tá tudo resolvido. Peço até o inspetor pra me dispensar mais cedo e venho embora dormir de verdade. Tomo logo uns três comprimidos de paracetaprecisandodeférias antes de dormir. No silêncio uma catedral. Tô suando debaixo dessa coberta. Não levantei merda nenhuma. Levanta. O remédio tá lá no banheiro. Amanhã o dia é tenso. Quem é você no espelho? Ai meu Deus! O serial killer tá dentro do meu banheiro! Paracetamorto! Onde eu possa ser imortal. Some daqui! Eu vou gritar! Paracetapeladão! Paracetarado! Droga! Ainda tô na cama. Daqui a pouco já é hora de levantar e o dia vai ser tenso.  

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