Um

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Maya



Fechei a última e pesada mala, encarando o lugar com melancolia.
Meu quarto.
Observei as faixas de antigos concursos de beleza penduradas num guincho atrás da porta e suspirei pesadamente.
Eu não queria ir. Mas o que podia fazer agora?
Minha mãe sonhava com esse momento desde o dia em que nasci, e ela não fez outra coisa da vida a não ser me preparar para competições de beleza.
Às vezes, eu desejava só por um minuto, que eu pudesse ser apenas uma garota normal, vivendo uma vida normal, sem padrões de beleza pra seguir, nem modos congelados de agir.
Eu odiava ser uma boneca frágil e cheia de frescuras.
Mas esse era o meu preço a pagar por tudo que Anne teve de abrir mão só para que eu pudesse existir.
Ela tinha acabado de conquistar o título de Miss Arizona quando descobriu que estava grávida de mim, e seus sonhos foram postos de lado por tempo indeterminado.
E tão logo ela viu potencial em mim, me jogou pra dentro desse mundo e eu cedi, me sentindo muitas vezes culpada por ela não ter podido continuar.
Agora, eu estava às vésperas de competir em um dos maiores concursos de beleza do mundo, o Miss América, que me levaria a dar passos maiores rumo ao tão almejado Miss Universo, com que tanto Anne sonhava. E eu só me sentia... Vazia.

Já não tenho tanta certeza se quero me arrastar nisso para o resto da minha vida. Não tenho certeza se posso suportar muito mais disso.

- Maya? Já terminou com as malas? - Anne perguntou, colocando a cabeça na porta e vasculhando o quarto com seu olhar analítico.

- Já. – murmurei sem vontade e percebi ela arquear a sobrancelha, vindo verificar minhas malas sobre a cama.

- Você deveria estar mais animada. Afinal está na disputa entre as mulheres mais belas do país. Isso não é pra qualquer uma, você sabe... Eu mesma nem sequer tive a chance de... ­

- Ta, eu já sei mãe.  Você já falou um milhão de vezes. – retorqui irritada por ter de ouvir a mesma conversa de sempre, e que eu era imensamente culpada por ela não ter chegado lá.

Eu já estava cansada disso também.

Ela me encarou, levantando o queixo, sinal de que tinha ficado irritada com minha grosseira interrupção, e voltou a atenção para a mala semi-aberta em cima da cama desarrumada.

-Eu espero bem mais de você. Só peço que não jogue no lixo todos esses anos de esforço.

Respirei profundamente.

-Não vou. – minha promessa não me pareceu tão convicta.

- E pelo amor de Deus, ajeita essa postura! Você ta parecendo uma velha de noventa anos. - reclamou batendo em minha barriga.

Me encolhi, ficando ereta feito uma estátua. Eu odiava quando ela fazia isso.
Ela terminou de fechar a mala para mim, depois de jogar umas ultimas peças de roupas dobradas cuidadosamente para dentro.

- Então... Está pronta? Seu voo sai em uma hora. –sorriu animada.

Pronta não era bem a palavra que me definia no momento. Apavorada, talvez. Mesmo assim, assenti devagar.

- Falei com os organizadores e eles me garantiram que ia ter uma preparadora para te acompanhar, não se preocupe.

Só assenti mais uma vez, fazendo ela soltar um resmungo irritado e segundos depois arrastava minhas malas para baixo.

- Você vai ganhar essa coroa. Vai ver só...

- Mãe... Tem outras meninas tão...

- Você é a melhor, querida. Eu não te preparei todos esses anos para você chegar até aqui e não confiar em seu potencial. - falou convicta, me encarando daquele jeito que sempre fazia quando queria ter toda a razão e não suportaria que alguém a contradissesse.

Belos PedaçosOnde histórias criam vida. Descubra agora