Vinte e Um

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Maya


Portland era fria e chuvosa e isso me fazia lembrar de Nova York.
Foi uma surpresa para mim quando descobri sobre o nosso destino. John não me contou até cruzarmos a fronteira que nos colocava oficialmente dentro dos limites do Oregon.
O clima seco e quente de Phoenix ficou para trás literalmente. E nós dois buscávamos outro ar para respirar. Um que não nos sufocasse nem nos fizesse ter vontade de chorar a qualquer minuto.
Dormimos as três primeiras noites numa pousada bem aconchegante. Tínhamos as três principais refeições servidas no horário estipulado e bastante privacidade.
John estava dando seu máximo para conseguir firmar suas raízes por aqui, mas eu sabia o quanto era difícil para ele apesar de tudo.
Também estava sendo para mim.
Eu chorava todas as noites e ainda tinha crises, auto induzidas, de vômito. Elas se tornaram bem mais frequentes depois da primeira semana. Nada parava em meu estômago por muito tempo. Às vezes eu sentia que minhas roupas pareciam um pouco mais largas, mas era só me olhar no espelho para outra realidade ser esfregada na minha cara. Eu estava uma terrível bagunça e sentia que poderia me asfixiar nela a qualquer instante.
John finalmente se aposentou no emprego e com o primeiro dinheiro da sua pensão ele decidiu alugar uma casa pequena para nós dois. Na tentativa de me fazer sentir-me um pouco mais confortável.
Eu queria poder ajuda-lo a seguir em frente, mas eu já me sentia sem forças e não encontrava uma maneira de sair do buraco que ameaçava me engolir. E só me senti mais péssima ainda quando ele flagrou uma das minhas muitas crises no banheiro. Seu olhar de pânico e logo em seguida de pena ainda rondava minha cabeça, me fazendo ter vontade de chorar.
Era pra eu estar sendo um conforto para ele e não mais um peso.
Eu tentei engana-lo, dizendo que foi algo que eu comi, provavelmente estragado, e não me fez bem. Ele não acreditou. Lógico.
Ele era John Thomas, me conhecia desde sempre e era esperto demais para cair numa desculpa tão velha.
Ele não falou muita coisa naquele dia. Apenas me abraçou e chorou junto comigo, me pedindo desculpas. Foi a primeira vez que eu o vi desmoronar. E quando no dia seguinte ele me pegou de malas feitas, me ouvindo dizer que precisava voltar para Nova York, ele gritou comigo, nervoso demais e repetindo que não deixaria isso acontecer.
Nós dois ficamos assustados com a situação. Eu nunca vi John entrar em pânico e, no entanto, ele estava na minha frente, ensandecido e arrastando minhas malas de volta para cima. Minhas roupas se espalharam pelo chão quando a mala se abriu, e meu celular escorregou pelo piso sendo pisoteado acidentalmente por um John fora de si.
Eu o abracei quando o vi colocar as mãos no rosto e chorar até soluçar. Ele chorava tão forte que todo o seu corpo era estremecido pelos espasmos que o invadiam.
Ele estava com medo. Muito medo.
Naquela mesma noite eu tive outro pesadelo com Anne e acordei gritando sem fôlego. Assim como todas as outras vezes, John apareceu do meu lado, sonolento e paciente sentou no espaço vazio da cama e afagou meus cabelos sussurrando que tudo ia ficar bem. Repetiu isso até eu pegar no sono outra vez e eu suspirei, sentindo seu cheiro inconscientemente.

Na manhã seguinte choveu o dia inteiro e tentei me arriscar na cozinha, preparando nosso almoço. Não tínhamos muita coisa, apenas o básico. Um sofá semi-novo, uma geladeira, um fogão antigo e uma TV grande. John não abriu mão de ter uma nova. Ele precisava assistir aos jogos nos domingos e isso era quase como um ritual.
Almoçamos em silêncio, e eu fiz uma careta quando ele me olhou escondendo um sorriso. A comida estava intragável, mas ainda assim ele comeu.

- Não precisa fingir que gostou John. Eu sei que está horrível. - rolei os olhos recolhendo o seu prato vazio.

- Não está tão ruim assim querida. - disse e eu arqueei a sobrancelha. - Quero dizer, com um pouco mais de prática pode melhorar bastante. - pigarreou.

Eu soltei uma pequena risada e ele ficou lá me encarando por longos minutos.

- É tão bom ouvir esse som de novo, Maya. – murmurou com seus olhos brilhando.

Belos PedaçosOnde histórias criam vida. Descubra agora