Você pode dizer muito pelo tamanho da biblioteca de alguém.

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Eu estava deslumbrada. Minha boca aberta em choque, eu entre e me virei lentamente para absorver tudo. A biblioteca era quadrada, subindo pelo segundo e terceiro andar. Três janelas altas e arqueadas iluminavam o aposento. Uma intricada grade vermelha de ferro forjado delimitava o andar de cima, que era acessível por uma escada em espiral do mesmo metal vermelho. As mesas tinham lâmpadas de cobre com sombreados verdes no meio. As paredes, do chão ao teto, eram alinhadas em livros. Grandes e pequenos, com capas de couro e brochura, todos divididos em setores – referência histórica, psicologia vampiresca, e até um pequeno grupo de títulos de ficção.
— Ai. Meu. Deus!
Ethan rui ao meu lado.
— E agora estamos quites com a questão mudar-você-sem-o-seu-consentimento.
Eu teria concordado com qualquer coisa só para tocá-los, então eu falei sem pensar.
— Claro — andei até uma das prateleiras e passei a ponta dos meus dedos sobre os livros. No setor que eu estava prestando atenção, eu puxei uma cópia de Bleak House com capa de couro azul marinho de sua prateleira. Eu abri o livro, folheei passando pelo índice e parei na primeira página impressa. A impressão era pequena, mas era impressa tão profundamente no papel que você podia sentir as letras em alto-relevo. Eu choraminguei de felicidade, fechei o livro e devolvi para seu lugar.
— Você está no encalço dos livros — Ethan disse rindo. — Se eu soubesse que era tão fácil te satisfazer, eu teria te comprado uma biblioteca semanas atrás.
Eu fiz um som de concordância e puxei um fino volume de poesia de Emily Dickinson. Eu folheei pelas páginas até encontrar o poema que eu queria então o li em voz alta:
Morri pela beleza, mas apenas estava acomodada em meu túmulo, alguém que morrera pela verdade, era depositado no carneiro contíguo.
Perguntou-me baixinho o que me matara:
A beleza, respondi.
A mim, a verdade – é a mesma coisa,
Somos irmãos.
Gentilmente, eu fechei o livro e o coloquei de volta em seu lugar, então olhei para Ethan, que estava ao meu lado com uma expressão pensadora. —Você morreu pela beleza ou pela verdade?
— Eu era um soldado — ele disse, me surpreendendo, e também não. O
pensamento de Ethan guerreando, ao invés de discutindo política no quarto de trás, me surpreendeu. O pensamento de Ethan no meio da guerra, não.
— Onde? — eu perguntei a ele. Ele pausou em um pesado silêncio, uma clara tensão na inclinação do seu queixo, então me deu um leve sorriso claramente fingido e disse:
— Suécia. Há muito tempo atrás. —Ele é vampiro há 394 anos. Eu fiz uma conta histórica.
— A Guerra de 30 Anos?
Ele concordou.
— Muito bem, eu estava com 17 quando eu lutei pela primeira vez. Eu completei 30 antes de ser transformado.
— Você foi transformado durante uma batalha?
Ele concordou, sem elaborar. Eu aproveitei a dica.
— Eu suponho que fui transformada em uma batalha, em um modo de dizer.
Ethan puxou um livro da prateleira em frente a ele, e folheou-o sem pensar.
— Você está se referindo à batalha de Celina para controlar as Casas?
— Tal como ele foi — eu me apoiei nas prateleiras, com os braços cruzados. — O que você acha que ela realmente quer Ethan? Vampiros controlando o mundo?
Ele balançou sua cabeça, fechou o livro e o colocou no seu lugar.
– Ela quer qualquer novo mundo que a ponha no poder, seja no controle dos vampiros, humanos ou ambos.
Ele girou seu corpo, apoiou seu cotovelo em uma das prateleiras ao meu lado e apoiou sua cabeça também, deslizando seus longos dedos pelo cabelo. Sua outra mão estava em seu quadril. Ele inesperadamente parecia muito cansado. Meu coração
apertou-se em simpatia.
— E o que você quer Merit?
Ele esteve olhando para o chão, mas de repente levantou seus verdes olhos para mim. A pergunta era desconcertante o bastante, o brilho de seus olhos era brutal.
Minha voz era suave:
— O que você quer dizer?
— Você não planejou ainda, mas você é membro de uma honrável Casa, em uma posição única, uma posição com certo poder. Você é forte, você tem contatos. Se você pudesse estar na posição de Celina, você estaria?
Ele estava me testando? Eu procurei em seus olhos. Será que ele queria me avaliar, para ver se eu poderia resistir à fome de poder que se apoderou de Celina? Ou era mais simples que isso?
— Você esta assumindo que ela virou má — eu disse. — Que ela era racional quando humana, mas que perdeu algum controle desde sua mudança. Eu não tenho certeza que isso é o certo. Talvez ela sempre fosse má, Ethan. Talvez ela não esteja satisfeita, ela de repente se tornou uma defensora dos vampiros. Talvez seja diferente para mim ou para você.
Seus lábios se abriram.
— Nós somos diferentes? Celina e eu?
Eu olhei para baixo e fiquei puxando nervosamente minha saia de seda.
— Vocês não são? — quando olhei para cima, seu próprio olhar estava íntimo e procurando, talvez enquanto considerava a pergunta, pesando o balanceamento de sua própria longa vida.
— Você está se perguntando se eu te trairei? — eu o perguntei.
Havia uma melancolia em seu olhar, em sua expressão. Eu não acho que ele queria me beijar, apesar da ideia disso, talvez o desejo ou talvez o medo disso, fez meu pulso aumentar.
— Tem coisas que eu quero contar para você, sobre Cadogan, a Casa, a política — ele engoliu a saliva tão desconfortável quanto eu nunca o vi antes. — Tem coisas que eu preciso te dizer.
Eu levantei minhas sobrancelhas, o convidando a falar. Ele abriu a boca, mas logo a fechou novamente.
— Você é nova, Merit, e eu não me refiro a idade, eu era tão velho quanto você quando me transformei. Você é uma novata vampira, é uma nova Novata. E mesmo assim, antes de completar dois meses de tutor, você já viu a violência e a manipulação
da qual nós somos capazes. — Ele olhou de volta para os livros e sorriu
melancolicamente. — Neste sentido, nós não somos tão diferentes dos humanos.
Houve silêncio na monstruosa sala até ele olhar de volta para mim. Quando ele o fez, sua expressão era sombria. — Decisões são feitas... — ele pausou, parecendo juntar seus pensamentos, então começou novamente.
— Decisões são feitas de olho na história, de olho na proteção de nossos vampiros, dando segurança a nossas Casas.
— Ethan apontou com a cabeça em direção a uma parede de livros do outro lado da sala, uma pilha de livros amarelados com números vermelhos nas laterais. — O Canon completo — ele disse, e eu então entendi o porquê do Canon ser dado aos vampiros
iniciantes em forma de Referência de Mesa. Devia haver 15 ou 20 volumes em cada fileira, e havia múltiplas fileiras em múltiplas estantes.
— Tem muitas leis — eu disse a ele, meu olhar seguindo os livros.
— Tem muita história — Ethan disse. — Muitos e muitos séculos. — Ele olhou de volta para mim. — Você conhece a origem do sistema da Casa, do Clearings?
Eu lera A Referência de Mesa, mesmo não oferecendo a história completa
como a coleção, delineava o básico da história do sistema da Casa, desde sua origem na Germânia, para o desenvolvimento do tribunal Francês, que pela primeira vez, governava coletivamente os vampiros da Europa oriental, pelo menos até o PG mudar
a convocação de lugar devido as Guerras napoleônicas. Ambas as ações foram atribuídas ao pânico causado pelos Clearings.
— Então você entende a importância de proteger os vampiros. De construir alianças — eu entendia, é claro, tendo sido entregue a Morgan, para conseguir uma potencial aliança com os Navarre.
— Os Breckenridges — eu disse. — Eu os considerava aliados, eu nunca
imaginaria que ele falaria comigo daquele jeito, não Nick. Ele me chamou de vampira, mas não no sentido real da palavra, Ethan. Era um xingamento, uma praga. — Eu pausei, levantando meu olhar para Ethan.
— Ele disse que viria atrás de mim.
— Você sabe que está protegida, não é? – ele perguntou em voz baixa e
sinceramente. — Sendo uma vampira Cadogan. Vivendo sob meu telhado.
Eu apreciava a preocupação, mas eu não temia Nick, eu lamentava perdê-lo por ignorância, por ódio.
— O problema é que eles não são aliados, mas inimigos.
Ethan enrugou suas sobrancelhas, aquela pequena linha entre elas estava de volta. E seus olhos, eu não sei o que era além do que quer que fosse, ele mudou para uma expressão vazia e assumiu o tom de vampiro Mestre.
— Eu te trouxe aqui, as informações estão a sua disposição. Nós sabemos que você é poderosa, suporte seu poder com sabedoria. Não seria útil para você continuar ignorante.
Eu fechei meus olhos bem apertados pelo golpe, quando os abri de novo, ele já estava indo em direção à porta, sua saída era marcada pelo insistente som de seus passos no chão de mármore. A porta abriu e fechou-se, e a sala ficou imersa em silêncio e quietude, uma caixa de tesouro fechada para o grande mundo. Enquanto eu me virava de frente as estantes, eu percebi um padrão. Sempre que ele começava a me ver como algo além de responsabilidade ou uma arma, sempre que conversávamos sem a barreira de hierarquia e historia entre nós, ele se afastava mais frequentemente que não me insultando para forçar a distância. Eu sei pelo menos alguns dos motivos para o afastamento dele, incluindo seu senso geral da minha inferioridade, e suspeito de outros, a diferença de nossas posições.
Mas tinha algo mais ali, algo que eu não conseguia identificar. O medo em seus olhos revelava algo, ele tinha medo de alguma coisa. Talvez algo que ele queria me contar. Talvez algo que ele não queria me contar. Eu balancei minha cabeça para clarear meus pensamentos, e olhei para meu relógio. Faltavam 2 horas para o
amanhecer, uma boa parte da minha noite foi tomada por Ethan, Nick e meu pai, então eu peguei a oportunidade para examinar a biblioteca como uma pesquisadora
profissional. Os livros estavam organizados entre sessões de ficção e não ficção como uma biblioteca tradicional, toda sessão organizada em prateleiras. Procurei em cada
prateleira por algo interessante para ler e decidi por livro de fantasias urbanas da popular prateleira de ficção.
Eu deixei a biblioteca após um adeus nerd e esperançoso, prometendo às pilhas de livros que eu retornaria quando tivesse mais tempo, então segui para o andar de baixo indo à parte de trás da Casa. Segui o longo corredor central para a área de
cafeteria, onde um punhado de vampiros mastigava seus lanches pré-amanhecer, seus olhares levantando enquanto eu andava para a porta de trás. Eu me esgueirei para fora para o pátio de tijolos que delimitava o fim da Casa, então segui um caminho para o pequeno jardim formal. No meio deste jardim há uma fonte iluminada por uma dúzia de luzes no chão, e a luz era forte o bastante para ler. Eu escolhi um banco, cruzei minhas pernas e abri o livro.
O tempo passou, o lugar quieto e vazio ao meu redor. Como a noite estava acabando, eu fiz uma orelha no livro, o fechei e descruzei minhas pernas. Enquanto me levantava, eu olhei para cima em direção a parte de trás da Casa. Uma figura estava
parada em uma janela no terceiro andar, mãos nos bolsos da calca, olhando o jardim.
Era uma das janelas no antigo quarto de Amber, a suíte Consorte que fica ao lado da suíte de Ethan, o quarto que ele limpou por completo. Ela havia ido, assim como todos os móveis. Eu não conseguia imaginar alguém no quarto exceto ele, muito menos olhando para o jardim. Eu fiquei lá de pé por um momento, livro em meus braços, olhando sua meditação. Eu me perguntava no que ele estaria pensando. Será que ele lamentou por ela? Será que ele estava bravo? Será que ele estava embaraçado por não
ter previsto?
O horizonte começou a azular. Como eu não tinha intenção de ser pega no sol e reduzida a cinzas por ter ficado muito tempo no jardim lendo, ou espiando meu Mestre, eu retornei a Casa, ocasionalmente olhando para a janela, mas ele nunca mudou sua posição. Peter Gabriel veio à minha mente, sua obra falando sobre
trabalhar somente para sobreviver. Ethan fazia isso. Dia após dia, ele ficava de olho nos mais de trezentos vampiros Cadogan. Nós éramos uma espécie de reinado, e ele era o lorde do castelo, o figurado e literal Mestre da Casa. Nossa sobrevivência era
uma responsabilidade sobre seus ombros e tem sido assim desde a morte de Peter Cadogan. Eu notei que é uma responsabilidade que eu confiava a ele. O único defeito de Ethan, pelo menos o único que eu notei até agora, era sua inabilidade de separar esta responsabilidade do resto da sua vida. De todos da sua vida. E por isso, em uma noite de meados de maio, encontrei-me parada no gramado de uma mansão de
vampiros no Hyde Park, encarando a figura emoldurada de um cara em Armani, um inimigo que se tornou um aliado. Irônico, pensei que eu tinha perdido um aliado hoje, mas ganhei outro. Ethan passou uma mão pelo seu cabelo.
— No que você está pensando? — eu suspirei, sabendo que ele não conseguia me ouvir. Onde tem uma caixa de som quando você precisa?

Mordidas de sexta a noite 2Onde histórias criam vida. Descubra agora