O rei e eu.

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A próxima noite chegou quente e clara. A casa estava quieta quando eu apareci nas escadas, com o bipe e espada nas mãos. Eu havia pegado uma garrafa de suco da geladeira da Mallory, evitando o último pacote de sangue, o tanto que eu bebi ontem à noite ou havia me satisfeito completamente ou estragado meu apetite completamente. Não que tenha sido horrível. Porque não foi horrível. E este era o pensamento que passava de novo e de novo na minha cabeça enquanto eu dirigia em
direção ao sul novamente – como tão não horrível tinha sido.
Meu bipe disparou bem na hora que eu parei em frente a Casa. Eu o desprendi, e encontrei a mensagem REUNIÃO NA CASA. PRESENÇA OBRIGATÓRIA. A TODOS!
aparecendo no visor. Charmoso. A Casa inteira estava sendo chamada para discutir a minha punição, eu imaginei, dado que a reunião seria feita no salão da Casa, ao invés de outro lugar, não sei, mais íntimo? Como o escritório do Ethan? Com somente eu de participante?
Resmungando, eu estacionei e fechei o carro, pensando que eu não estava
vestida exatamente para uma humilhação pública nos meus jeans velhos e camiseta justa preta. Meu uniforme de Cadogan tinha sido esfarrapado, eu usei a melhor roupa
que ainda estava na casa da Mallory. Eu tive que parar do lado de fora do portão, sem estar muito preparada para o ataque em massa.
— Que show.
Eu olhei para cima, e encontrei os guardas RDI olhando para mim
curiosamente.
— Perdão?
— Ontem à noite — o da esquerda disse. — Você causou um pouco de
alvoroço.
— Sem intenção — eu secamente disse, mudando meu olhar de volta para a Casa.
Normalmente eu estaria emocionada de conseguir tirar uma conversa dos
normalmente silenciosos guardas, mas não sobre este assunto.
— Boa sorte — disse o da direita.
Eu ofereci um sorriso de agradecimento mais sincero que eu pude, dei um suspiro, e fui para a porta. Eu podia ouvir os sons da reunião enquanto eu subia as escadas para o salão do segundo andar. O primeiro andar estava silencioso, mas o eco do sambiente vampírico – conversas, tosses, movimentações – flutuavam do salão. As portas foram abertas quando eu as alcancei, uma multidão de vampiros dentro.
Havia noventa e oito que viviam na Casa, eu acredito que pelo menos trinta e dois do grupo estavam aqui. Ethan, mais uma vez no seu paletó negro, estava parado sozinho no curto degrau na frente do salão. Nossos olhares se encontraram e ele ergueu uma mão, silenciando os vampiros. Cabeças se viraram, olhos em mim. Eu engoli, apertei a espada que eu ainda segurava na mão, e entrei no salão. Eu não aguentava olhar para eles, ver se seus olhares eram acusatórios, insultados, temerosos, então eu mantive meus olhos no Ethan, a multidão se partindo ao meu redor enquanto eu andava pelo salão. Eu não negava que, como Mestre, ele precisava lidar comigo. Os vampiros restantes se separaram e eu achei olhos consoladores em Lindsey, que me ofereceu um sorriso de compaixão antes de se virar para olhar o Ethan.
Eu andei para o degrau, ficando de frente para ele, e olhei para cima. Ele olhou de volta para mim por um momento, expressão cuidadosamente em branco, antes de levantar seu olhar para o grupo. Ele sorriu para eles e então se moveu para o lado
como se para não bloquear a vista.
— Nós não acabamos de fazer isto? — ele perguntou com um sorriso. Os
vampiros sorriram em reconhecimento. Minhas bochechas arderam com o calor.
— Eu debati — ele disse a eles. — Em se eu deveria oferecer uma dissertação minuciosa sobre o porquê dos eventos ocorridos na noite passada. Os precursores biológicos e
psicológicos. O fato de a Merit me defender de um ataque de um dos nossos. E falando nisso, eu sinto informar-lhes que o Peter não é mais um membro da Casa Cadogan.
Vampiros engasgaram, sussurros passando pela multidão.
— Mas o mais importante — ele disse. — O ataque feito pela Celina Desaulniers que diretamente culminou o incidente aqui. Eu começarei minhas conclusões aconselhando-os que vocês estejam conscientes dos seus ambientes. Enquanto é possível que a Celina tenha escolhido um alvo específico, ela pode querer vingança contra os vampiros Cadogan, os vampiros de Chicago, vampiros que pertencem às Casas em geral. Se você estiver longe da nossa área, tenha cuidado. E se vocês ouvirem qualquer coisa que diz respeito às atividades dela ou seus movimentos, entrem em contato comigo, Malik ou Luc imediatamente. Eu não estou pedindo para que sejam espiões. Eu estou pedindo para que sejam cuidadosos e não desperdiçarem a imortalidade com a qual vocês foram abençoados.
Um ressoar de divergentes “Liege” ecoaram pelo salão.
— E agora para o assunto principal — ele disse, o olhar caindo em mim. Eu tive que me esforçar para manter o choque fora do meu rosto, disto ser tratado em frente a um salão cheio de vampiros que viram o que eu fiz.
— Vocês decidirão sozinhos. Ela é
a irmã mais nova de vocês e vocês devem chegar as suas próprias conclusões, assim como vocês fariam por qualquer outro membro da Casa. Dito isso, é difícil tomar uma decisão quando vocês raramente têm oportunidade de vê-la. — Tudo bem, eu gostei dessa primeira parte, mas eu não estava empolgada sobre onde isso tudo estava indo.
— Foi trazido a minha atenção que seria benéfico fazer uma festa de socialização, para permitir que vocês se conheçam socialmente, para se conhecerem fora dos laços de
trabalho e dever.
Lindsey, eu pensei. A traidora. Eu rangi os dentes e dei uma olhada atrás de mim para onde ela estava sorrindo. Ela me deu um aceno com os dedos. Eu fiz uma nota mental de socar ela assim que eu tivesse a oportunidade.
— Para que — Ethan disse, atraindo minha atenção novamente. — A Merit possa apreciar melhor os vampiros que ela jurou proteger, para que ela possa conhecer todos vocês como irmãos e vocês a ela, eu decidi nomeá-la... a encarregada dos eventos sociais da Casa Cadogan. — Eu fechei meus olhos. Era uma punição ridiculamente leve, eu sabia. Mas era também completamente humilhante.
— Claro, que a Helen e a Merit podem trabalhar juntas para planejar as festas que serão agradáveis para todos nós.
Agora isto era cruel. E ele sabia disso também, se o traço de sarcasmo na sua voz era um indicativo disso. Eu abri meus olhos novamente.
— Liege — eu disse, acenando a cabeça com a Grande Condescendência.
Ethan levantou uma sobrancelha duvidosamente, cruzou os braços enquanto ele observava a multidão novamente. — Eu sou o primeiro a admitir que isto não seja a mais... satisfatória punição — os vampiros riram. — E eu não estou apto, nesse
momento, de revelar detalhes que acredito que mudariam suas opiniões, e vocês chegariam às mesmas conclusões que eu. Mas são poucos que eu confiaria com o dever de servir a Casa como Sentinela. E ela é a única que eu apontaria para essa
tarefa. Ela permanecerá nessa posição, e ela permanecerá aqui na Casa Cadogan.
Ele sorriu novamente, e desta vez ele deu aquele charmoso olhar de menino malvado que provavelmente incitava adoração entre os seguidores do sexo feminino.
— E ela fará o possível para garantir que, como eles dizem, não haja festa igual a uma festa de Cadogan.
Eu não pude evitar o bufar de descrença que escapou de mim, mas todos, enamorados como estavam do seu Mestre, gritaram em concordância. Quando os aplausos mais altos se aquietaram, ele anunciou que eles estavam dispensados e depois de um “Liege” em uníssono e educado, eles saíram do salão.
— A Constituição proíbe punições cruéis e inusitadas — eu disse a ele, quando ele desceu do pódio.
— O quê? — ele inocentemente perguntou. — Tirar você daquela biblioteca? Eu acho que já estava na hora, Sentinela.
— Agora que eu sou uma vampira de verdade?
— Algo assim — ele distraidamente disse, franzindo as sobrancelhas enquanto puxava o celular do bolso. Ele o abriu e olhou qualquer que fosse a mensagem que estivesse escrita na tela, sua expressão em branco.
— Vamos — foi tudo o que ele disse. Eu obedientemente o segui.
Uma Lindsey perdida no meio da multidão dos vampiros piscou para mim enquanto eu passava.
— Você disse que queria uma festa — ela sussurrou. — E eu te disse que ele te queria.
— Ah, você vai ver o que está te esperando, loirinha — eu avisei, dedo indicador apontado em sua direção e segui Ethan para fora do salão.
Ele não falou, mas abriu caminho pelos vampiros nas escadas do primeiro andar e então para a porta da frente. Curiosa, de katana em mãos, eu o segui para fora no pórtico. Uma limusine estava estacionada em frente ao portão.
— Quem é? — eu perguntei, ficando atrás dele.
— Gabriel — ele disse.
— Gabriel Keene — Chefe do Bando Central Norte Americano. Jeff uma vez se referiu a ele como sendo o Alfa dos alfas.
Quando a porta da limusine abriu e ele colocou as botas na calçada, eu entendi o porquê. Gabriel era alto, de ombros largos, intensamente masculino. Com cabelo grosso castanho claro em camadas que chegavam aos ombros. A sua confiança era óbvia no porte dos seus ombros, no jeito de andar. Ele usava jeans simples e botas de motoqueiro e mesmo na noite quente e úmida da primavera, uma jaqueta de couro
fechada. Ele era lindo, de uma maneira quase feroz, olhos âmbar brilhantes, quase poderosos o bastante para hipnotizar. Esse era um homem que já tinha provado tudo
o que tinha pra provar e agora estava interessado em agir, em guiar o seu povo, proteger o seu povo.
— Há mais de três mil metamorfos na Central Norte Americana — Ethan
sussurrou, olhos no homem, no metamorfo, ante nós. — E ele é o ápice, o alfa, entre eles. Os bandos americanos são autônomos, e então ele é, para todas as razões e
circunstâncias, o seu rei. Ele é o equivalente político do Darius. — Eu acenei, e mantive meu olhar em Gabriel.
Outra pessoa emergiu da limusine, uma morena adorável, ela era
verdadeiramente e simplesmente adorável. Eu imaginei ser Tonya, a esposa do Gabriel. O movimento de sua mão – ele virou para trás e a alcançou, deixando-a no topo da mão dela, entrelaçando os dedos na barriga aumentada dela, como se
estivesse ninando seu filho-confirmava isso.
— Sullivan — Gabriel disse, quando eles caminharam pela calçada, e pararam de frente a nós.
Ethan acenou.
— Keene. Esta é Merit. Ela é a Sentinela.
Um sorriso levantou um canto da boca do Gabriel.
— Eu sei quem ela é.
Como se apresentando suas vulnerabilidades para minha inspeção, ele se articulou de modo que a Tonya ficasse ao lado dele, não atrás dele. Simbólico, eu pensei, e muito diferente dos vampiros, esta elevação da família.
— Esta é Tonya — com os dedos ainda entrelaçados, ele roçou os dedos sobre a barriga dela. — E Connor.
Eu sorri para ela. — É um prazer conhecê-la.
Sua voz era suave e doce, um leve sotaque do sul transparecendo.
— Um prazer conhecer você também Merit.
Quando eu olhei de volta para o Gabriel, ele estava me encarando com olhos que eu podia jurar que mudavam de azul para verde, a totalidade da terra e sua existência contida ali. Assim como o do Nick. Eu olhei para eles, no refluxo e fluxo
deles, e eu de repente entendi as diferenças entre nós.
Vampiros eram criaturas da noite, do frio, da arquitetura gótica, das ruas vazias e escuras. Os metamorfos eram criaturas da terra, da luz do sol, das savanas chamuscadas pelo sol e grama na altura do joelho. Nós voávamos, eles corriam. Eu não
podia, eu era incapaz, de discutir com este tipo de conhecimento.
— Senhor — eu disse, minha voz quase um sussurro, meu olhar ainda nos olhos dele. Ele riu, com gosto, e eu pisquei, o feitiço quebrado. Mas ele aparentemente não havia terminado comigo. Ele se abaixou e sussurrou.
— Não é necessário as formalidades, gatinha. Nós somos praticamente família, você e eu, apesar de todo o drama.
Ele foi para trás de novo, as sobrancelhas juntas e olhou para os meus olhos. Eu tive a sensação que ele estava olhando através de mim, por mim, para algum futuro que não pude discernir. O ar formigou magia fluindo por nós.
— Nós os perdemos sempre, não é? — eu não tinha ideia do que a mensagem oculta era, ou como responder, então eu fiquei quieta, o deixei olhar através de mim.
De repente, o ar ficou mais leve e ele se endireitou novamente.
— Foda-se. O que nós podemos fazer a não ser fazer, certo? — Gabriel virou para Tonya, apertou sua mão, a questão aparentemente retórica. Quando ele se virou novamente, ele olhou para o Ethan.
— Nós voltaremos. O Bando está se reunindo e nós planejamos nos encontrar em Chicago. Eu tenho certeza que você já ouviu os rumores, mas por respeito a você e sua gente eu queria adiantar para vocês. Eu entendo também que houve um pouco de drama ultimamente e eu sinto muito por isso.
Ele aguardou até que Ethan acenou cuidadosamente antes de continuar. — E eu gostaria de falar contigo sobre uns preparativos para a nossa conferência, se você tiver tempo — ele virou seu olhar para mim.
— Preparativos relacionados à segurança.
Eu praticamente podia ouvir as rodas girando dentro da cabeça do Ethan
enquanto ele considerava o quão útil eu poderia ser. — Claro — ele respondeu.
Gabriel acenou, saudando o Ethan, e então olhou para mim novamente. Eu podia ver a avaliação no seu olhar, mas sobre o que eu não sabia. — Eu entrarei em contato — ele disse e então virou. Sua mão no final das costas da Tonya, e então andaram para o carro. Eles entraram, a porta da limusine se fechou novamente e eles se foram.
— O que ele disse?
Eu olhei para o Ethan. Ele olhou para mim, a cabeça pendida para o lado, em óbvia curiosidade. Infelizmente, mesmo se eu quisesse tagarelar para o vampirinho intrometido, os comentários do Gabriel foram muito obtusos, então eu não pude por
ele a par das coisas.
— Algo sobre sermos uma família, eu e ele.
Ethan arqueou uma sobrancelha.
— Família? Querendo dizer o quê?
Eu dei de ombros. — Eu somente reporto os fatos.
Nós ficamos parados lá em silêncio por um momento, a estrutura da Casa atrás de nós, uma escura noite de verão ante nós. O quer que seja que ele tenha pensado, ele não dividiu. Eu ponderei sobre o comentário do Gabriel, sobre a inevitabilidade da
perda. Eu sabia que estava vindo, sabia que esperava por mim, que o demônio de olhos verdes parado ao meu lado provavelmente estava envolvido nisso. Mas, não tendo nada que eu pudesse fazer a respeito disso hoje, eu me desprendi do sentimento e virei para a porta, deixando-o lá atrás de mim.
Uns minutos depois, no meu quarto, eu encontrei algo no piso de madeira.
Outro envelope carmesim, o mesmo envelope pesado, idêntico ao outro. Eu o peguei e o abri, e como na primeira vez, tirei um cartão da cor marfim. A frente portava a
mesma frase do primeiro cartão:

VOCÊ ESTÁ CONVIDADA.

Mas desta vez, quando eu virei o cartão, havia detalhes sobre a festa:

FONTE BUCKINGHAM. MEIA NOITE.

Eu encarei o cartão na minha mão por um minuto, antes de enfiá-lo de volta no envelope e olhar o meu relógio. Era onze e quarenta. Eu peguei minha espada e fui para a porta. Eu resolvi um mistério. Não custava nada ver em quais outros problemas eu poderia me meter.

FIM

Mordidas de sexta a noite 2Onde histórias criam vida. Descubra agora