Mais Um Dia

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Meu celular despertou cedo, cedo demais. Na verdade já eram nove da manhã e eu estava deitada na cama julgando a possibilidade de fazer algo inesperado, talvez uma volta no parque ou um passeio até a praia me ajudasse a não pensar em quantas vidas eu teria de poupar dos atos de crimes ou em quantas almas seriam separadas novamente por uma simples decisão, apenas uma chamada ou convocação e eu estaria toda ouvidos a mais um caso.

Após alguns minutos o silêncio havia dominado o quarto por completo com a desistência do meu quase incansável celular, e assim eu levantei para o mundo, para a vida, seria mais um dia de outono. As folhas secas e mortas estavam por toda parte em meu jardim, colorindo tudo que era verde com o alaranjado bonito e terno, me relembrando que é preciso a mudança para que o novo aconteça e o velho seja levado com o vento reconfortante que me surpreendeu naquele 24 de março de 2015 quando saí pela porta.

O escritório não havia ainda adquirido a tranquilidade do clima outonal, o trabalho me chamava, papéis sobre minha mesa, relatórios entregues, clipes espalhados, conversas por quase toda parte do edifício.
No meio daquele turbilhão de sensações que sentia ao deduzir como minha tarde seria, resolvi começar por um copo de café para acalmar os ânimos naquele momento. Catarina minha secretária estava prestes a ligar a cafeteira quando cheguei ao corredor que dava acesso à pequena cozinha particular do prédio, resolvi ajudá-la em sua tarefa.

- Catarina, não está sem paciência com essa máquina hoje? - comecei

- Boa tarde, senhora Emily, estou tentando liga-la fazem bons minutos, oito acho... - disse ela com ar de descontentamento

Eu sorri de leve e resolvi dizer que não era preciso investir naquelas tentativas:

- Sei bem como está essa máquina, prestes a tirar nossa paciência, semana passada mesmo tive que chamar o conserto pela segunda vez, creio que nesta tarde isso se resolve. Estou indo até a padaria comprar um café, você quer que compre um a mais, Catarina?

Ela corou de leve, tirou da blusa branca uma nota de vinte reais e me deu.

-Você quer mais algo? - perguntei

- Não, obrigada. Só o café por favor

- Com açúcar?

- Não, quero puro, mas se for atrapalhar de alguma forma não precisa - pude ver o desconforto da secretária nessa frase

- Imagine, não terei problemas em carregar um simples copo quente, mas me diga, está tudo bem?

Ela finalmente havia desistido de olhar os mil e um botões da cafeteira e olhado de leve para mim com uma breve resposta:

- Sim, está tudo na medida do possível, e com a senhora?

- Também, acha que terá mais casos essa semana além do atual?

- O movimento está tranquilo ultimamente, creio que não, aliás este já está tomando conta do presente não é?

Dei uma risada, fiz que sim com a cabeça, me despedi e segui em direção ao elevador.
Após alguns minutos consegui sair pela porta do prédio e alcançar o lado de fora, resolvi andar até o final da rua, levaria mais tempo até pegar as chaves do carro e ir até o estacionamento.
A rua estava vazia, isso era estranho para o horário mas normal para o local em que o escritório se situava, um bairro tranquilo, perto da saída da cidade, uns 10 minutos de distância do centro movimentado.
Ao entrar na padaria pedi logo os dois cafés, sem pressa paguei por eles, um com a nota dada pela Catarina e outro com meu próprio dinheiro, sorri ao pensar em como ainda existiam pessoas honestas, que mesmo com dificuldades alcançam por mérito um espaço no mundo, ou nas que simplesmente resolvem pagar suas próprias despesas por obrigação, achava a primeira opção mais compatível com minha prestativa secretária, mas não negava que existiam traços da segunda também, fazem seis anos que Catarina trabalha conosco em nosso escritório, sempre disposta a ficar horas a mais no trabalho para cuidar de agendas, cronogramas ou simplesmente para me certificar de que no dia seguinte não teria problemas com imprevistos ou desorganizações, antes de ser exclusivamente minha secretária, era a de papai antes dele se aposentar, tudo em troca de um salário digno, sem mais ou menos que isso, apenas isso.

Chegando na grande e iluminada sala em que se encontrava sua mesa, chamei seu nome e dei o café junto com o troco, ela sorriu cuidadosamente, pegou tudo e agradeceu, desejando um bom trabalho, sorri também e saí da sala, partindo para meus papéis e cumprimentando todos que encontrava no caminho à minha sala, sim, seria uma tarde trabalhosa, o caso que eu havia escolhido era o divórcio do prefeito da cidade com sua esposa, casamento de vinte e dois anos que aparentemente iria acabar devido à uma discussão banal, algo comum para a atualidade.

Logo me afundei nos papéis sem pensar no tempo.

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