Aquela noite estava realmente linda, estrelas cobriam o céu, cada uma era um ponto brilhante distante da outra, eu também estava longe de casa. A casa de meus pais ficava bem perto de uma praia, então achei que não faria mal dar uma passada nada rápida, na verdade eu sabia que faria sim, mas não importava.
A fome se misturava com a ansiedade que eu estava sentindo, seria uma contagem regressiva para mais um ano sem sorrisos sinceros, risadas bobas e palavras verdadeiras, na verdade seria mais um ano só de mim e não de nós.
Com o celular nas mãos, rapidamente fui até minha galeria de fotos, selecionei uma que era de seis anos atrás, eu e ele estávamos deitados na mesma praia que eu estava agora, a diferença era que na foto o dia era frio e meu coração quente... Mas agora o calor do sol das tardes não aquecia mais nada dentro de mim. Eu amava ver as fotos dele, sempre tão seguro de si, me dava segurança, nós éramos perfeitos, sua essência me levava a ver tudo de melhor até mesmo no que não tinha nada de bom, sua forma de me mostrar o mundo, o modo como eu depositei em nós o melhor de mim, nada poderia substituir.
Preciso sentir seu cheiro outra vez, sentir sua presença - pensei enquanto corria até o carro com um único destino em mente, a casa dele.
Todas as luzes estavam apagadas, eu ainda tinha a chave que dava acesso ao interior então me apressei em abrir a porta da sala. Quando entrei me deparei com a escuridão, eu sabia muito bem a posição de cada coisa ali, até mesmo nessas circunstâncias. Ao chegar no corredor acendi as luzes, tudo estava intocável como eu deixara naquela noite ao sair correndo em desespero. O quarto dele estava arrumado, tinha seu cheiro em todo lugar, nas roupas, na cama, no banheiro, até em minhas lembranças. Deitei no chão ao lado de uma pilha de livros e comecei a rir enquanto abraçava uma de suas camisas favoritas.- Henrique, você voltou filho? - ouvi uma voz em desespero.
Quando virei a cabeça avistei minha quase sogra.- Emily? Tudo bem? - ela se assustou ao contemplar meu excesso de loucura.
- Dona Inês! Como está a senhora? - levantei e a abracei.
- Não estou bem, você não deveria estar na sua casa? - ela me deu um olhar repreensivo.
- Sabe que dia será daqui a algumas horas?
- Sim, será o dia em que se completam 6 anos da morte do meu filho. Você está aqui para quê?
- Eu vim passar um tempo, não sabia que a senhora estava aqui.
- Fazem 2 semanas que vim pra cá, achei melhor ficar aqui do que naquele apartamento, me sinto mais perto dele aqui.
- Eu também me sinto. - sorri.
- Ótimo, se quiser pegue algumas roupas e leve com você. Preciso dormir agora. - ela andava pelo quarto de um lado pro outro.
- Desculpa, eu já estou indo - ela me culpava por aquela noite, não demonstrava sentimento de tristeza perto de mim.
Peguei uma pilha das roupas que eu sabia que ele amava, e virei as costas para Dona Inês ouvindo ela reclamar sobre o clima.
- Nossa, esse outono vai nos matar também, que horror!! Ótimo eu estar longe da cidade por aqui, aquele mormaço e calor humano são desconcertantes. - ela se reclamava de tudo o dia inteiro, se estivesse frio ela também arrumaria argumentos para estar insatisfeita.
Ao percorrermos a sala de estar avistei a piscina ao lado de fora pela grande parede de vidro, rapidamente me lembrei dos fins de semana que passávamos juntos nela, no sofá , na cozinha também... Em toda parte.
- Olha minha querida, melhor você não voltar, isso não te faz bem não é? - ela reclamou.
- Eu entendo que a senhora more aqui agora, mas não me peça isso, eu deveria estar morando nesse lugar agora, a senhora sabe disso muito bem. - falei com impaciência.
- Deveria estar, mas meu Henrique se foi, agora esse lugar é o que resta pra mim.
- Sim, eu sei, mas se ele estivesse comigo agora tudo seria diferente. - deixei uma lágrima cair, as roupas em minhas mãos estavam me causando mais e mais efeitos.
- Tá , vá embora Emily. - ela me fez sinal em direção à porta - por que eu tinha abraçado aquela mulher??
- Adeus. - abri a porta e saí andando até o carro.
Olhei as horas e percebi que estava quase lá, resolvi ficar por ali mesmo com aquelas pequenas partes de quem eu já tivera em minhas mãos. Liguei o rádio e me surpreendi ao ouvir a voz melodiosa de Ivete Sangalo, um momento pra recordar.
Dormi com aquele clima mesmo, quando acordei o sol já tomava conta do carro todo, eram 9:00 da manhã. Oficialmente, era 26 de março.

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Pra Te Fazer Lembrar
RomansaE se a felicidade te visitasse novamente após 6 anos, como seria? Emily Lamartine é uma jovem aparentemente forte, independente, elegante e decidida, porém nem sempre um sorriso significa felicidade. Uma série de fatos começam a acontecer em pouco t...