Ciclo vicioso

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Eu acordei na manhã seguinte totalmente deprimido, só de pensar que ontem estava vendo "o bocejo" exatamente aqui onde estou sentado agora.

Minha mãe, que estava fazendo salsichas, olhou para mim como que dizendo "Quem mandou ser lerdo demais e não começar a namorar logo ela".

– Mãe – chamo em voz alta.

Ela ergueu as sobrancelhas permitindo que eu falasse.

Eu nunca havia dito isso a ninguém em voz alta, então era realmente difícil.

– Sabe a Hermione?...

"É lógico que ela sabe quem é a Hermione, seu estúpido!".

– Eu sei que isso parece loucura – prossegui – ainda mais porque agente brigava o tempo inteiro, e eu acho que ninguém imaginaria que isso um dia pudesse acontecer...

Eu a encarei e ela me olhava como que pedindo para eu continuar falando.

– Sabe na guerra mãe? Eu e a Hermione, agente, se...beijou.

Ela ergueu as mãos olhando para cima e me abraçou tão forte que senti meus ossos estralarem.

Eu acho que ela ficou feliz, não é?

– Mas sabe mãe... a gente não conversou sobre isso ainda e meio que estamos, quer dizer... eu... eu estou fingindo que nada aconteceu, não sei o porquê.

Ela parou de me abraçar, colocou as mãos na cintura brava e me deu um tapa na testa.

– Aí!

Ela voltou a me dar um tapa na cabeça.

– Aí! Eu não a beijei por beijar – me apressei a dizer – eu a amo mãe, e isso deixa as coisas complicadas, eu achei que o amor era simples, mas ele é tudo menos simples, ainda mais estando apaixonado por sua melhor amiga.

Minha mãe levou a mão até minha cabeça, mas dessa vez não para me dar um tapa, mas sim para bagunçar meus cabelos, como uma forma solidária.

A Gina apareceu na cozinha e estava quase passando porta a fora para correr quando a chamei:

– Gina!

Ela me olhou brava.

– O que quer?

– Resolvi correr com você – levantei de onde estava sentado e mostrei a ela meu tênis surrado.

– O que? – ela gritou indignada.

– É, sabe? Só correr.

Ela olhou para cima, como que pedindo paciência e começou a correr para fora.

Eu a segui em seu encalço.

– O que quer correndo?

Ela não me respondeu e correu três vezes em volta da casa, depois foi em direção a uma cerca. Colocou uma perna sobre a madeira e se curvou.

Parei do seu lado arfando, com as mãos nos joelhos.

"Que é isso, Ronald?" penso enquanto respiro "Está mesmo fora de forma".

"Eu sei" respondo.

"Que vergonha"

"Eu sei"

Acabei de começar a correr e já não agüento mais.

A Gina agora está colocando suas mãos em seus pés, se alongando.

Eu resolvo sentar no chão, não agüento mais ficar em pé.

E o ar finalmente chega em meus pulmões.

Merlin! Como é bom respirar da forma correta.

Ela fica uns cinco minutos fazendo uns movimentos esquisitos com as pernas, os braços, o tronco e o pescoço...

– Não vai se alongar? – ela me pergunta.

– Pra quê? Não preciso de alongamento para uma simples corrida.

– Ahan.

Gina riu pelo nariz e começou a correr em volta da casa.

Levantei de súbito do chão e a alcancei.

– Porque corre?

– Sabia que falar diminui o ritmo da corrida? A fala faz você respirar mais forte, o que te faz cansar mais rápido, ou seja, diminuindo o ritmo.

– Desde quando é especialista em corridas?

Ela não me respondeu e começou a correr em um ritmo mais forte. A acompanhei mais uns metros, mas depois não consegui mais.

Não consegui mais seguir seus passos.

Não consegui mais ir atrás dela.

Deitei na grama arfando, não conseguindo respirar direito.

Estou suando feito louco.

Não consigo mais mexer minhas pernas, sei que amanhã vou acordar todo duro.

– Precisa melhorar seu ritmo maninho, para arrancar de mim essa informação preciosa.

Nem me importo com o comentário maldoso de minha irmã e sei que não vou conseguir arrancar essa resposta dela correndo.

Apenas fico deitado.

Não sei quanto tempo passa.

Só percebo que o sol esta cada vez mais alto no céu.

E a Gina continua a correr envolta da casa.

Aquele ciclo vicioso

Doentio.

Sempre dando voltas e mais voltas ao redor da casa.

Nas primeiras voltas ela tinha um ritmo mais lendo, depois começou a correr com mais força.

Seu rosto ficou vermelho pelo calor.

Seus cabelos soltos e grudados no pescoço ensopados de suor.

Mas ela não parava.

Não parava para beber água.

Nem para retirar alguns empecilhos no caminho.

Apenas corria.

Ela e sua determinação.

Já fazia um bom tempo que minha irmã corria.

Mas ela não mostrava cansaço e no fim, empenhou um ritmo forte.

Vi sua testa franzida.

Como se isso desse força para ela ir mais rápido.

E ela tentava.

Tentava colocar um ritmo mais forte para seus pés.

Estava mais determinada do que antes.

Não sei como é possível, mas ela corria cada vez mais rápido.

Vi seus olhos estreitarem.

Vi suas mãos fecharem fortemente deixando os nós dos dedos brancos.

Vi seu pé direito virar.

Vi ela cair de testa no chão.

E o ciclo havia chegado ao fim, afinal.

Mas ela estava brava.

Começou a dar socos na grama.

A bater em seu pé que agora provavelmente estava doendo pela torção.

Começou a puxar seus próprios cabelos.

Ela estava se culpando.

Se culpando por não conseguir atingir seu objetivo nessa corrida.

Se culpando por não conseguir correr rápido o bastante.

E então a solução veio na minha frente.

Transparente como água.

Sabia o que minha irmã precisava.

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