Capítulo cinco

7.9K 464 22
                                    


Ele havia acabado de chegar de mais um baile, estava com um cheiro forte de bebida e nicotina e claro, perfume barato de alguma vagabunda. Finjo que estou dormindo, pois não quero ele, não hoje, e sei que se ele perceber que estou acordada, vai querer, eu querendo ou não.

Escuto seus passos pelo quarto, vejo a luz do banheiro se acender e logo após escuto o barulho do chuveiro.

"Ótimo! Pelo menos dessa vez ele se mancou e foi tomar banho"

Viver com o Daniel, é como se eu estivesse pisando em ovos todos os dias. Eu nunca sabia o que eu estava fazendo de errado, só sabia que eu errei quando sentia a ardência em meu rosto, ou quando eu o via arremessando as coisas em mim, ou quando sentia um soco ou outro no estômago ou alguma outra parte do meu corpo.

Uma vez eu perguntei a ele do que ter me escolhido pra ser mulher dele, e ele disse que nem mesmo ele sabe. Tem sido assim durante quatro longos anos. Nos primeiros meses eu praticava a autopiedade, ficava me lamentando, perguntando o porque de tudo isso tá acontecendo comigo, mas eu vi que aquilo não me levaria a lugar algum, do que adiantaria? Não ia apanhar menos, não ia ser poupada das humilhações e das traições, minha mãe mãe não voltaria de onde quer que ela estivesse, então pra que me lamentar?

Foi ai que eu lembrei da ultima conversa que tive com a minha mãe e resolvi fazer exatamente aquilo que eu prometi. Eu não deixei meu sofrimento me apagar, não o deixei me fazer de refém. Por dentro eu posso tá destruída, mas por fora procuro sempre por um sorriso no rosto e viver um dia de cada vez.

O barulho do chuveiro cessou e logo após vi a luz do banheiro se apagar. Escutei seus passos pelo quarto, e uns segundos depois senti a cama afundar. Ele me abraçou, cheirou meu pescoço, deu um beijo na minha cabeça e logo dormiu. Nós dormimos assim todas as noites, ele não consegue dormir sem ser abraçado comigo e vice versa. Tem vezes que ele chega tão cansado da farra que nem banho toma, só se joga na cama e me abraça. Perdi as contas de quantas vezes tive que dormir com cheiro forte de bebida, maconha, cigarro e mulher.

No inicio eu nem dormia, mas como dizem, nós, seres humanos sempre achamos um modo pra nos adaptar as situações e foi com esses pensamentos que dormi.

Acordei no outro dia com o celular despertando. Sai dos braços do Daniel e tentei levantar. Tomei um banho, coloquei uma roupa e bati aquela fotinha de lei e postei no face, sou viciada em fotos. Detalhe, toda a foto que eu for postar tenho que marcar meu lindo marido, não me pergunte o porque, também queria muito saber.

Desci e fui arrumar as coisas pro café da manhã do bonito. Café da manhã, almoço, janta, tem que tá tudo sempre pronto, se não ele fala muito no meu ouvido. Depois de deixar tudo no esquema, subi pra ver minha princesa. Temos uma filha de um ano e quatro mês, temos não né, ele tem. Uma das amantes dele engravidou, mas morreu no dia do parto. Eu fiquei sabendo só no dia do parto, acho que a favela toda sabia, menos eu, como sempre o corno é o último a saber de tudo.

Foi um baque pra mim, eu odiei o Daniel com todas as minhas forças, ainda mais quando ele trouxe aquele serumaninho com dias pra minha casa, pra eu criar. Eu fiz minhas malas, falei que ia embora, chorei, gritei, bati nele, falei que ia matar aquela criança, resumindo fiquei completamente descontrolada, e por incrível que pareça, ele não fez nada, deixou eu ter minha crise, mas quando eu me acalmei, percebi que aquele serzinho não tinha culpa de nada, então deixei meu lado humano falar mais alto e desde então crio a Maria Júlia, e ai de quem falar que ela não é minha filha, eu viro uma leoa com certeza. Desenvolvemos um amor uma pela outra que é surreal. Faço de tudo por ela, mato e morro.

Fiquei sem falar com ele durante um mês e pouco, até que ele se emputeceu e meio que obrigou voltar a falar com ele. Vi que nada adiantaria e resolvi fechar meus olhos mais uma vez. Mas até hoje não entra na minha cabeça o que ele fez, toda vez que eu olho pra Maria, eu penso, mano como ele foi capaz disso? O que falta pra ele aqui dentro de casa? Dou amor, carinho, aguento tudo calada e o que eu recebo em troca? Um filho de outra mulher pra criar. Por mais que eu ame a minha bebê, a mágoa fica, sabe? Não é nada fácil saber que teu marido teve um filho com outra enquanto estava ali com você. Eu só pude aceitar que dói menos.

Madame do Tráfico ( Trilogia Madame)Onde histórias criam vida. Descubra agora