Capítulo 13

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Passei a maior parte da terça-feira tentando descobrir com que roupa iria ao chá de Aurora. Eu não tinha levado muitas roupas e não dava para encarar o guarda-roupa de Sarah. Por direito, eu deveria estar passando três semanas numa praia da Flórida, em mamãe Marcus, de biquíni e cheia de protetor solar. Por que não perguntei a Gabe se ele estaria lá? Uma parte de mim achava que nosso encontro da noite anterior não passava de um sonho de tão perfeito!
Escovei o cabelo e experimentei outra camiseta.
Sarah bateu de leve na porta:
- Posso entrar ?
Fiz que sim, mas ela continuou imóvel na entrada.
- O assunto é meio desagradável, Jenna – começou ela. Guardei o pente e engoli seco. Talvez ela fosse me mandar embora.
Sarah limpou a garganta.
- parece que perdi um vaso que estava no banheiro. Pertencia a sua avó. E vale um bom dinheiro. Será que você o quebrou, ou coisa parecida?
Demorei algum tempo para me lembrar de que vaso ela falava, já que havia tanta tranqueira na casa. Aí me lembrei de um vaso pavoroso, com desenhos em preto e branco, que ficava na beirada da janela. Mamãe tinha um igualzinho, com a
única diferença de que em nossa casa aquilo ficava num armário com portas de vidro. Mamãe gostava de expô-lo porque havia sido feito por uma mulher chamada
Clarice Cliff e valia uma pequena fortuna.
- É que esse vaso é muito valioso para mim – continuou Sarah. Então, caiu a ficha: ela estava me acusando de roubo!
- Por que você não pergunta a Kai? – respondi no tom mais calmo possível.
Ninguém precisava ser o inspetor Morse para saber que ele era o principal suspeito.
Sarah sentiu-se na beirada da cama:
- O que ele faria com o vaso? Ele sabe que eu amo aquela peça.
Fiquei furiosa:
- Quer dizer que você está me culpando?
Sarah engoliu seco;
- Ouvi dizer que você tem feito coisas terríveis. A escola chegou a pensar em chamar a polícia.
Minha cabeça deu um nó. É assim que as coisas acontecem quando você é
rotulada. Você tem de ser a primeira na fila dos culpados. Parte de mim queria gritar algo como: “Ah! Aquele vaso? Aquele que quebrei em mil pedaços e joguei pela janela? Se eu soubesse o quanto era importante para você, teria feito isso na
sua frente!”
Em vez disso, saí furiosa e corri em direção as escadas. Batia porta com toda força, e Tallulah disparou pela casa em busca de proteção.
Estava começando a garoar quando tomei o rumo do mercado, então me abriguei na cabine telefônica.
Por impulso, disquei o numero de Mia.
-Aqui é Jenna – disse quando ela atendeu.
Houve uma longa pausa.
- Olá. Recebi seu e-mail. Parece que você está numa boa aí.
- É, aqui é bem legal – inventei na hora.
- Estamos pensando em aparecer para o Festival Netherby. O irmão de Rebecca, Justin, diz que nos leva de carro se pagarmos a gasolina – a voz dela ficou bem mais nítida: - Jackson está dizendo oi.
- Parece que você e Jackson estão se dando superbem.
- Ele não pára de falar em você, Jenna – havia um certo mau humor na voz de Mia: - Ele acha você o máximo pelo modo como tem lidado com as coisas.
- Aquilo foi coisa passageira. Você prometeu...
- Sei disso – retrucou Mia. Depois disse: - Mamãe está insuportável. Quase todo o meu tempo está tomado por atividades, professores particulares e aulas de dança.
Não posso chegar em casa depois das oito e meia da noite. Ela só me deixa ir à casa de Rebecca. Assim que papai voltar de sua viagem aos Estados Unidos, vou resolver nossos problemas.
- Por favor, Mia, não demore. Não sei quanto tempo mais vou suportar isso – respondi. Não era meu estilo implorar, mas a história do vaso me tirara do sério.
- Preciso desligar, senão mamãe vai ouvir. Me dê o número dessa cabine
telefônica e ligo amanhã às sete. Quero saber mais sobre aquele garoto misterioso – e encerrou a conversa. Quando estava indo para a casa na árvore, começou a chuviscar e percebi que aquela chuva fininha começava a ensopar minha roupa. Faltavam cinco para às três, e Aurora me esperava perto de sua árvore. Sorriu ao me ver chegar. Pelo
menos, alguém gostava da minha presença. Fomos para a ala residencial do solar Netherby. A arquitetura era mais simples e despojada do que a da ala histórica.
Mas não menos imponente. Aurora abriu uma porta com um trinco pesado; ela dava passagem para o vestíbulo azulejado e, em seguida, para uma cozinha
pequena e aconchegante.
- Tempinho de merda, não? – disse ela ao fechar a porta atrás de mim.
- Modos, Aurora! – disse uma voz lá da cozinha.
- Mas, mamãe, você acabou de dizer isso. Antes de eu ir esperar Jenna lá fora você disse: “Tempinho de merda”.
A mãe de Aurora riu. Era uma mulher pequena, de longos cabelos grisalhos, presos em uma trança, exatamente como os de Aurora. De avental, parecia mais uma funcionaria de “cantina de escola” do que uma “senhora do solar.”
- Olá, Jenna. Sou Isobel. A quiche estará pronta em cinco minutos. Espero que você goste de cogumelos silvestres – disse, preocupada.
- Adoro – respondi no ato, embora não fizesse a menor idéia do que seria um cogumelo silvestre.
- Como está Sarah? – perguntou – É muita gentileza sua ajudar na loja enquanto  não está. Espero que ele volte logo. É um poeta maravilhoso! As almas sensíveis sempre sofrem muito no cotidiano.
Concordei. Por que será que Kai ganhava as mulheres tão facilmente? Até onde o conhecia, ele era tão sensível quanto um balde de lama.
Aurora puxou-me pela manga:
-V enha comigo, vou lhe mostrar o resto da casa.
Fomos para a galeria. Lembrei-me da ultima vez em que estive ali com Gabe. Onde ele estaria agora? Teria se esquecido que eu viria?
Aurora me pegou pelo braço e disse:
- Antigamente, as pessoas ficavam andando para lá e para cá nesta galeria para se exercitarem. Principalmente quando estava muito frio e enlameado lá.
Parei diante do quadro de Septimus Netherby.
- Enquanto caminhavam, iam passando por todos os seus parentes mortos e podiam evocá-los.
Aurora riu.
- Podiam também mostrar a língua ou piscar para eles.
- Ou tentar descobrir onde arrumaram olhos tão cruéis ou narizes tão grandes – acrescentei enquanto caminhávamos. Parei diante de um grande vaso chinês com as rosas de Gabe e olhei para um quadro que não havia notado da ultima vez.
Era uma tela muito pequena, escondida atrás do vaso. Nela se via um belo cavalo alazão e, sorridente, Lavinya, com a cabeça recostada no pescoço do animal.
Aurora olhou para o retrato, apertou meu braço e disse, com voz firme e dura:
- Cadela vagabunda!
- Aurora!!! – reagi, chocada. – Não é a mãe de Gabe? Você não devia referir-se a ela nesse tom!
- Por que não? – Aurora olhou para mim e disse, bem pausadamente e com a voz cheia de veneno: - Odeio essa mulher.
- Nossa! – respondi, afastando-me alguns passos. Estava chocada com a
violência de seus sentimentos.
- ela magoou Gabe e fico feliz por ela estar morta! – A boca de Aurora contraiu-se, e nos cantos se formaram pequenas bolhas de espuma.
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, Isobel apareceu a porta e nos chamou de volta a cozinha.
- A quiche está pronta. Venham logo!

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